O verdadeiro caminho do meio

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"Ao homem não é permitido adotar nenhuma
ideologia, porque todas aspiram à
preponderância, nem aderir a nenhum partido,
porque o dever de todo partidário é ver,
sentir e pensar partidariamente. Cumpre-lhe
antes de tudo assegurar a si mesmo plena
independência de pensamento e de ação, pois,
sem liberdade, não pode haver justiça, a única
idéia digna de ser o supremo ideal comum
à sociedade humana." (Erasmo de Roterdã)


É muito difícil fazer parte algum grupo no campo político-intelectual quando se é, por um lado, bem mais liberal do que a esquerda tolera e, por outro, menos egoísta do que a direita admite. Se a grande virtude está no meio, é lá também que se encontra a solidão. A sabedoria cobra seu preço. Poucos suportam caminhar em missão de paz pelo meio de campos opostos, em guerra.

O apartidarismo democrático, infelizmente, não é uma opção. É dever revolucionário considerar e analisar calmamente o que é válido em todos os conjuntos doutrinários. Mas não é sem ansiedade que se observa a manada feliz, marchando beligerante e midiatizada rumo a um fim relativamente comum ou sem objetivo algum; e se permanece, pelo menos aos olhos do bovino, inerte. A reflexão permanente tem natureza dinâmica e consome muita energia.

Todas as proposições intelectuais que nos chegam devem ser analisadas em seu contexto e pelos critérios que sustentam suas ideias. Jamais pela cor da camisa do time que torcem seus autores e divulgadores. Há diversas adaptações para uma mesma contribuição ou partes dela. Sou capaz de destacar dois parágrafos que se salvam num livro inteiro dedicado a impropérios. As ideias sãs não raro são como pedras preciosas que aparecem misturadas em pedregulho. Mas, quando separadas e lapidadas, impulsionam a difícil passagem pela porta estreita da Verdade.

O único caminho de evolução possível é o da síntese, da incansável compreensão de todas as posições cerradas, e da autocrítica permamente. Há que se atentar somente para os princípios e os métodos. Estes são a lógica, a concisão, a clareza (ou transparência) e a objetividade. Aqueles, tudo que incentiva o amor, a liberdade e a partilha.

Comentários

  1. Nobre, Romero. Algumas considerações rápidas de quem está num plantão noturno: como já havia dito antes, é muito difícil viver em tal nível de reflexão permanente a respeito de uma enxurrada de informações e direções. Acho que isso passa pelo fator "vocação", que você, provavelmente, tem. Para algumas tarefas na vida, é preciso este chamado que vai além do próprio cuidado de si mesmo, da procura pelo próprio conforto. As manadas supostamente felizes não são, muitas vezes, assim, porque querem, mas porque não podem ser de outra forma. Como você disse, a reflexão permanente consome muita energia. Nem todos podem se dedicar a tamanho esforço em encontrar as pérolas que estão espalhadas por este mundo de ideias afora. É muito difícil também tomar uma posição clara e consciente em meio a tantas variantes. É preciso ler e refletir bastante, discutir, ouvir o outro. E eu até que tenho tentado...

    Mas, talvez criticando algumas de suas ideias, algumas coisas são mais ou menos claras para mim: Não sei se foi Jung ou Giddens que falou, mas a frase era algo como "a Verdade é algo muito sério para ser sempre encontrada no meio termo". Acho que foi dita em meio a uma crítica a Aristóteles. Eu tiro também pela minha experiência de trabalho e de um pouco de conhecimento de história. Às vezes, o tapa na mesa, e encerramento do diálogo, é imprescindível. Há muita gente de índole ruim no mundo, e muitas vezes os pacifistas e conciliadores são francamente manipulados, em suas boas intenções, para fins espúrios. Ou seja, é preciso, ás vezes, tomar partido, e manter uma posição determinada por longo tempo, ao ponto de os outros reconhecerem em você, e na sua posição, uma ideologia e tipo (sort of) de partidarismo. Você concebe o seu projeto e segue seus planos, e, no caminho, vai encontrando adesões e adversários. Assim é a vida.

    E algumas considerações sobre o epitáfio de Roterdã: em primeiro, não consegui achar a fonte. Você a tem? Parece ser uma tradução de um livro de Stefan Sweig "Triunfo e Tragédia" sobre o filósofo. Fiquei desconfiado do uso da palavra "ideologia", que eu não sei se era usada e como era usada na época. O pensamento humanista dele, também, estava em meio às disputas da reforma de Lutero, e ele, parece, ter ficado em cima do muro, quanto ao novo protestantismo e a igreja católica romana. Acho interessante manter a individualidade tão apreciada por ele, mas não sei até que ponto é possível, e factível, nos nossos dias, esta independência partidária. Obviamente, preciso refletir mais...

    Enfim, estou escrevendo sem voltar muito para ver o que falei, mas gostei do seu texto e vou continuar te acompanhado para ver se fico mais sabido! Por fim, uma curiosidade, de característica extremista, não sei se você sabe: se foi realmente o Stefan Sweig que traduziu este texto, ele foi um escritor famoso antes da segunda guerra. Pouco antes da guerra, veio morar no Brasil e escreveu um livro bem ufanístico sobre nossa terra. Acabou por estabelecer residência em Petrópolis onde, incrivelmente, se suicidou com a esposa, em 1942...

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    2. Robertão, vc está certo quanto à fonte. É uma tradução do Sweig mesmo. Não sabia dessa história tenebrosa sobre seu desfecho e de sua esposa. Meu deus. Ele deixou alguma carta explicando as razões? Sobre a questão da individualidade, isto é, o posicionamento excêntrico num ponto ao meio de um debate, eu concordo plenamente com o que vc escreveu. Todavia, deixe-me esclarecer um pouco melhor o que eu quis dizer: as filiações disponíveis hoje não me seduzem a ponto me de estimularem a fazer institucionalmente parte delas; mas o ponto principal nem é esse. O que tentei argumentar é que, mesmo “o meio” é uma posição, porque não estamos tratando de times de futebol, “arena” (rsrs) onde não há times de gradação entre dois adversários clássicos, que agrega elementos dos extremos. Em se tratando de economia e política há, sim, o equilíbrio. E isso não quer dizer que as pessoas situadas ali estão necessariamente “em cima do muro”. É no discurso propositivo que se observa a condução que o agente faz de suas ideias. Se tal agente mobiliza parte dos recursos e argumentos dos vários adversários institucionais envolvidos no debate, isso quer dizer que ele promoveu uma síntese. Claro que nem sempre isso é possível. O que é possível, e é o que defendo, é que antes de construir o próprio discurso o cidadão se debruce corajosamente (sem preconceitos, e movido pela lógica, razão, crítica dos dados e objetividade) sobre o máximo de pontos de vista que ele puder conhecer. No campo das ideias, a evolução não depende de mentes em conflito. Essas seriam os ingredientes iniciais. Mas a evolução virá na hora que algumas mentes conseguirem realizar a síntese, ou um “remix”, como se diz no jargão da indústria cultural. Falando nisso, já assistiu o documentário: www.youtube.com/watch?v=SAfCvMNgLjg ? Ele não tem a ver diretamente com o que trato aqui, mas é interessante para observar como se processa a evolução das coisas no mundo das ideias, inclusive na música. Abraço.

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  2. Estou na linha do Robertão, quero beber das tuas palavras para saborear tuas idéias e me degustar com teu conhecimento de mundo filosófico. Este autor não conheço, nunca li nada a respeito, mas no bojo do argumento, me entendi e fiquei feliz em ler um comentário tão louvável. Não é de se admirar que, os que ficam no meio acabam pendendo para o lado obscuro pela falta de consciência e desejo próprio, indo ao sabor do vento.

    Um abraço.

    Beth

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    1. O meio justamente o lugar dos equilibrados. Ali se tem um equilíbrio dinâmico, e não há fanatismo nem radicalizações. De certo, há tomada de posições circunstanciais. Eu nunca votei em branco ou nulo, por exemplo. Mas tb nunca fui militante. Da mesma maneira, jamais critiquei um grupo apenas para derrotá-lo sem deixar que seus argumentos sejam plenamente compreendidos pela minha razão, colocando-me no lugar deles e tentando entender o sentido da ação dos que, por ora, são meus adversários. Repito, por ora, porque eu não me fecho nas minhas teorias. Sou escravo das evidências, amante da lógica. No que a observação me revelar mudanças, eu progredirei com com ela.

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