Como obter a verdade numa pesquisa com coleta de dados sensíveis?



"A suspeita sempre persegue
a consciência culpada;
o ladrão vê em cada sombra
um policial."
William Shakespeare



Todo mundo que trabalha com pesquisa sabe da dificuldade que é a formulação de perguntas e a forma de abordagem aos informantes em questões que causam preocupação, constrangimento ou repulsa. Esse é um tipo de problema que vem à tona em duas situações: quando a pesquisa-piloto retorna com erros graves de consistência em questões aparentemente inofensivas e claras, ou quando o pesquisador tenta inquirir os informantes acerca dos tais assuntos “perigosos”, como uso de drogas ilícitas e outras práticas ilegais. Por exemplo: “O senhor(a) possui arma de fogo?”.

Pois bem, com estudos de lógica podemos encontrar formas de superar esse obstáculo à obtenção de informações confiáveis, e hoje vou escrever brevemente aqui uma delas. Uma bem simples. A aplicação de um questionário piloto já é, em si, uma forma de reduzir esse tipo de problema. Portanto, vou me ater apenas em como resolver o segundo caso, a necessidade de obter respostas verdadeiras sobre questões delicadas.

Caminhando contra a intuição, não se trata somente de apuro numa redação perfeita. Isso não seria suficiente para irmos além do teste-piloto. O mecanismo que apresentarei aqui se serve mais da matemática do que da estilística.

No momento da pergunta delicada, reforce que se trata de uma pesquisa que não recolhe, e portanto não utilizará, dados de identificação das pessoas, garantindo o sigilo da informação estatística, e deixe o informante a sós com o questionário (se ele tiver dificuldade de leitura, explique, de forma também delicada, o que quer dizer a questão)... e uma moeda. Sim, uma simples moedinha! De preferência não viciada, claro. Instrua o informante que ele lance a moeda e, se der cara, marque simplesmente “sim” (que confirmaria a prática ilegal). Por outro lado, se cair coroa, o informante deve dizer a verdade, nada mais que a verdade. A moeda garante que o informante não tenha maiores preocupações com uma resposta “sim”, porque não haverá como incriminá-lo. Se o entrevistador estiver usando aparelho eletrônico para aplicação do questionário, basta uma “moedinha virtual” com a qual seria marcado "sim" aleatoriamente para 50% do total de informantes, e solicitada a resposta para os demais. 

Fica evidente que estou trabalhando com resposta do tipo binária, sim ou não. E isso é fundamental para sabermos, uma vez encerradas todas as entrevistas previstas, em quantas enquetes podemos confiar. Primeira coisa que temos que ter em mente é: podemos duvidar da credibilidade de várias respostas do tipo “sim”, mas sabemos que todas as respostas “não” são verdadeiras. Ok, estamos um passo à frente da insegurança que sentiríamos sobre qualquer “não” obtido no método tradicional. Mas e com relação as respostas do tipo “sim”? Ainda estamos perdidos, “não”? Jogos de palavras à parte, alegro-me em dizer que não.

Quando terminarmos a pesquisa, não podemos esquecer que esse nosso método determina que pelo menos 50% das respostas sejam “sins”, simplesmente porque a moeda deu cara. A saída, então, será trabalhar apenas com os outros 50%. E isso é bem simples. Excluem-se todos os “sins” até metade de nossa amostra. O percentual que restar de “sins” sobre o total de entrevistas deve ser multiplicado por 2 para termos o relativo real de quantas pessoas admitiram ter andado alguma vez pela ilegalidade.

Mas por que multiplicar por 2? Vamos tomar como exemplo uma pesquisa com 100 pessoas. Na hora de analisar os resultados da questão delicada, você obviamente exclui 50 “sins” porque pode ter certeza que são consequências da lei da probabilidade de cair cara. As outras 50 respostas que sobrarem vão, muito provavelmente, conter alguns “sins”. Como o método deixa as pessoas bem à vontade, suponha que observamos 40 respostas do tipo “sim” e só 10 do tipo “não”. Desta maneira, o que temos diante de nossos olhos? 80% de “sins” e 20% de “nãos”. Simples assim. E todas as respostas extremamente confiáveis, diga-se de passagem. Para finalizar esse aspecto da qualidade dos dados, cuide para formar uma amostra devidamente espraiada, estratificada e representativa. O restante, pode apostar na teoria das probabilidades. Fazendo tudo como explicado, você certamente terá melhor sorte no que procura saber com sua pesquisa.



Romero Maia
romeromaia@gmail.com

Instragram: @SimpliciDados  

Comentários

  1. fiquei pensando nos meus pacientes, "o senhor pratica sexo com camisinha? Tá aqui essa moeda... vou ali e volto já." mas para isso teria que ter uma longa fila de consultório estatisticamente falando, né? grande abraço!

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    1. No seu caso, o ideal é consolidar uma imagem de profissional confiável. rsrs
      Agora, se vc quiser fazer uma pesquisa com perguntas que podem gerar constrangimento, o indicado é explicar os objetivos da pesquisa e, de fato, deixar pelo menos 60 informantes bem à vontade com uma moedinha para responderem, lá pelo final do questionário, esse tipo de questão. ;)

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