"Teachers, leave them kids alone!": sobre uma tragédia nas Universidades




We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Another Brick In The Wall (Pt. 2), Pink Floyd


Este texto foi motivado por uma conversa com um estudante de Economia que acabara de ingressar na faculdade. Tivemos uma troca de não mais que poucas ideias, e ele me incentivou a escrever pelo fim das restrições sobre diferentes maneiras de pensar desses novos alunos. Restrições essas que começam pelos professores e vêm referendadas no livro didático adotado. Hoje, que inclusive é dia nacional do livro didático, portanto, é uma ótima ocasião para que pensemos sobre o dever do pluralismo no ensino.

Lembrei a quanto lixo temos que ser expostos na graduação e até mesmo em algumas pós-graduações. Tudo porque as castas credencialistas se comportam de forma a colonizar o pensamento dos jovens, enfiando goela abaixo que somos somente competidores de racionalidade ilimitada por definição, estimulados pelo permanente contato com a escassez onipresente. E ponto final. Pior é a consequência dessa limitada abstração da realidade: sempre a autogestão de bens comuns seria menos eficiente que a gestão privada.

Um exemplo imaginário muito usado para isso é a "tragédia dos comuns". Essa tragédia (dos comuns) grega (sim, porque os gregos já pensavam sobre isso) é usada para justificar simultaneamente a supremacia da propriedade privada dos recursos naturais e o poder do Estado comandado por esses proprietários. Para o terceiro elemento, o não-proprietário, serviria a lei "tertii exclusi", um mal menor que a tragédia evitada pela fórmula. Afinal, as pessoas são incapazes de cooperar com eficiência na gestão de bens fora do âmbito da propriedade privada, não é mesmo? Não. Mas manteve-se tudo isso para quê? Para que se possa continuar omitindo boas explicações sobre os trabalhos de um Thorstein Veblen, um Rousseau (que embora apenas filósofo poderia ao menos ponderar, com seu argumento sobre a "pitié", a falha do ideal neoclássico 'homo economicus') ou um Michal Kalecki nos livros de introdução do primeiro período?

Isso que estou escrevendo aqui não é novidade nem mesmo para alguns grupos de estudantes de graduação. Há pouco tempo, em Harvard, foi registrado um manifesto contra a doutrinação conservadora na área. Em 2011, estudantes produziram uma carta aberta contra as aulas professor Mankiw [leia aqui]. No ano seguinte foi a vez dos estudantes da Universidade de Manchester publicarem outra carta denunciando o enviesamento das aulas e do livro desse mesmo professor. Ano retrasado a insatisfação se tornou generalizada. Formaram uma rede internacional de estudantes irritados com o patrulhamento ideológico travestido de ciência que está ocorrendo em várias faculdades de Economia ao redor mundo [veja a iniciativa aqui].


O problema não é nem que os professores tenham obrigação de saber mais que seus campos de especialização. Não estamos exigindo isso. Falamos mais de um outro posicionamento pedagógico mesmo. Pensemos, então, sobre o triste fato deles podarem a imaginação dos jovens que poderiam questionar os princípios mais básicos da disciplina. Esse é o ponto. Vários jovens sentem certas inquietações indecifráveis sobre a validade das premissas. Eles possuem naturalmente a fagulha da possibilidade de inovação. Isso é fato. No meu caso, depois que comecei a faculdade, pessoas que também pensavam diferente terminaram ganhando espaço, como Daniel Kahneman e Elinor Ostrom. Por que não estimular isso desde cedo? 

Jovens calouros conseguem "pensar fora da caixinha". Pensar alternativas econômicas para administrar recursos disponíveis sem restrições institucionais. Entretanto, esbarram em ridicularizações e perdas de pontos nas provas de professores que não suportam "debater" didaticamente. Vivem apavorados pelo risco de perderem uma discussão para um aluno. E se "perde" ou se "ganha" quando se está numa posição de construção coletiva do conhecimento?

No mais das vezes, são pessoas sem paciência que querem que os alunos repitam o que "ensinam", exigindo exatamente as mesmas conclusões para facilitar a correção. Claro que corrigir é um trabalho do professor, mas desde que não tolha a criatividade e não camufle patrulhamento. Se não for feito nada mais que a transmissão unilateral de informações, com livros cheios de omissões e postura intimidadora em sala de aula sobre os alunos que ousam a discordar até de premissas (sagradas), a colonização mental vira regra. 

Por fim, para reforçar a importância de se estimular os alunos com pensamento lateral ou divergente, deixamos aqui uma informação interessante. Esses dois últimos pesquisadores citados não fizeram faculdade de Economia. O primeiro é psicólogo e a segunda cientista política. Mas, além disso, eles têm em comum o fato de terem ganhado um prêmio "ortodoxo" de Economia, o Nobel. Kahneman simplesmente derrubou a premissa da racionalidade ilimitada e consciência absoluta que se reputava ao tal  "homo economicus". Ostrom provou que a "tragédia dos comuns" não possui apenas soluções via Estado ou propriedade privada.

Esses recentes avanços mostram que a Economia esteve muito tempo sufocada pela ideologia conservadora, por um formalismo imaturo, reforçados por velhos interesses particulares (inside jobs) de manutenção do status quo. Se mesmo apesar disso o bom pensamento científico, autocrítico por excelência, conseguiu esses notáveis avanços pelo caminho do pluralismo das ideias, temos todas as razões para nos animarmos diante do futuro que poderá nascer dessa nova didática, finalmente aberta e honesta, se for colocada em prática no presente. Ainda bem que,  hoje, os jovens do primeiro período já sabem disso.


romeromaia@gmail.com

Comentários

  1. Excelente texto! seria interessante fazer a mesma reflexão no campo das ideologias de Gênero, racialidade e anti-religiosas, que predominam hoje nas Universidades. Hoje, é comum professores universitários submeterem os calouros a constrangimentos por suas convicções religiosas, de gênero e de cor. Deste modo, afirmar sua heterossexualidade virou sinônimo de homofobia, afirmar sua identidade ou convicção religiosa, sobretudo se for cristã, virou sinônimo de fundamentalismo de direita, ou afirmar sua identidade de cor, virou sinônimo de racismo. Estudantes são constrangidos ativistas políticos de esquerdas, gays e racial (negro) ou será considerado ultrapassado e com risco de ser reprovado. Isto, também, vale para os concursos públicos em Universidades.
    É Ditadura do gênero, cor e credo, prevalecendo sobre a liberdade de expressão, num espaço onde a liberdade de expressão deveria ser a regra. Ao contrário, estudantes são constrangidos a concordarem com seus "mestres".

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  2. Vi o manifesto tb. Há muito em economia que é ignorarado, e não somente os clássicos esquerdistas. A economia é sempre tratada como ideologia, pq não há trato filosófico. Ou é um dogma marxista ou um dogma liberal. E vivemos num parâmetro em que conceitos econômicos são incorporados como leis naturais, e não entendidos como processos socialmente construídos.

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  3. Tomara que nosso Cristovam Buarque consiga prevalecer para que a liberdade de expressão continue nas Escolas, com o devido equilíbrio.

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