Feliz fim da torre de marfim

Acho que é a segunda vez neste blog que publico um post apenas com o texto de outro autor. Não costumo fazer isso, numa tentativa insignificante de evitar que a internet se torne ainda mais descaradamente redundante. Mas há algumas produções que eu gostaria muito de ter escrito. Traduzem meus pensamentos tão exatamente que só a cópia mesma é que contempla minha vontade de partilhar algumas inquietações pessoais. Rohden é um dos autores que leio todos os dias, tanto sua prosa quanto suas poesias. Antes, porém, para abrir um canal de sensibilidade apropriado ao desabafo poético, copio também o painel Philosophie, de Gustav Klimt, que representa o desamparo anterior à libertação evocada na experiência de Rohden:





MINHA FILOSOFIA CRUCIFICADA
Huberto Rohden, no livro "A Voz do Silêncio"


Meu Deus! Como é difícil viver aquilo que se pensa.
Outrora, toda a minha filosofia estava na cabeça,
Em forma de grandes idéias,
Mais tarde, a minha filosofia desceu ao coração,
Em forma de belos ideais.
E eu, na minha erudita ignorância,
Me tinha em conta de um filósofo...
E, em frases grandíloquas de altissonante eloqüência,
Proclamava aos quatro ventos a minha sapiência filosófica...
Quando, porém, tentei passar a minha filosofia
Da cabeça e do coração para as mãos,
Para a crueza da vida prática,
Para o rude prosaísmo da vivência cotidiana -
Quase que desanimei...
Verifiquei que subia ao Gólgota
E ia ser crucificado...
Da cabeça e do coração para as mãos -
Não é isto uma cruz?
Minha pobre filosofia,
Ontem tão segura e autocomplacente,
Hoje, sangrando entre os braços da cruz.


Desde então, nunca mais falei em filosofia
Grandiloquamente,
Como se a possuísse, com segura abundância,
Como se fosse milionário do saber.
Desde então, tentei realizar,
Em humildade e silêncio,
Uma pequenina parcela
Das minhas grandes teorias,
E por feliz me dava quando conseguia viver um por cento
Das minhas idéias e dos meus ideais.
Enveredei pelo "caminho estreito"
Passei pela "porta apertada",
Deixei para cá da fronteira
Toda a minha orgulhosa bagagem filosófica
De ontem e anteontem...
Bem pouco da minha filosofia de antanho
Passou pelo "fundo da agulha" da vida real.
Abandonei aquém da fronteira fatídica
Toda aquela luxúria mental e verbal,
Como ilegal contrabando.
Mas, o pouco que passou para além
É sólido, seguro e legítimo,
É puro como ouro acrisolado
Em fornalha carinhosamente cruel.
E é este cerne da minha filosofia
Que me sustenta nas lutas da vida
E lança misteriosa ponte
Para a vida eterna...
Minha filosofia crucificada,
Morta e sepultada -
Ressuscitou.


Comentários