Olhares sobre a questão da vinda de médicos estrangeiros

Fonte: Google Imagens


Artigo escrito por Arthur Foinquinos Krause para este blog.



Muito tem se falado sobre a vinda de médicos estrangeiros recentemente, principalmente após o pronunciamento da Presidente Dilma. Tem sido uma discussão acalorada nas redes sociais e sendo ou não da área de saúde com certeza você esbarrou com algum texto acerca do assunto. É muito positivo ver tantas pessoas discutindo o tema, argumentando e propondo soluções para a saúde brasileira. Coletei alguns textos, informações e opiniões que ajudam a esclarecer os principais prós e contras a essa medida.

Os dois primeiros textos (a favor da vinda dos médicos) são os mais importantes, pois são os menos divulgados, têm menor visibilidade e enriquecem mais as argumentações ao redor do assunto. Seguem:



É fundamental entender que a solução para a saúde brasileira não está centrada na vinda de médicos estrangeiros, e não deve ser o ponto central de um discurso que contenha medidas concretas (que é o que as pessoas estão precisando no momento). No máximo, essa medida deve ser exposta como um paliativo, extraordinário, emergencial. Não há solução (a longo prazo) para a saúde brasileira que não passe pela ampliação da cobertura da atenção básica (maior número de Unidades de Saúde da Família), pelo fortalecimento da medicina preventiva (medidas em saúde que evitem que a população adoeça: rastreamento de doenças, realização de pré-natal, vacinação, campanhas de educação sobre doenças contagiosas/preveníveis) e pela valorização do profissional de saúde. É estranho pensar que num pais onde há quase 400 mil médicos, 6000 (1,5%) sejam capazes de mudar drasticamente o cenário da saúde. Veja como se posicionou a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

Também é válido notar que muitas das opiniões exaltadas que povoam as redes sociais estão contaminadas por um corporativismo desinformado, por parte dos colegas de saúde. Isso foi muito verdade no início do debate, mas cada dia que passa graças à avalanche de informações, as opiniões ficam mais sólidas e recheadas de informações.

Os Conselhos federais e estaduais de medicina se posicionaram furiosamente contra, já que são essas entidades que licenciam médicos estrangeiros ou não para trabalharem em território nacional. Têm defendido a classe e a qualidade técnica do profissional que se propõe a defender, totalmente dentro do esperado.

Acredito que o principal argumento contrário a vinda dos médicos estrangeiros deve ser oriunda do fato que MÉDICO NÃO É IGUAL A SAÚDE. Médicos sozinhos não fazem milagre, não importa onde sejam formados. Medicina de família, ou preventiva não se faz sem vacina (principalmente vacina, aqui em Recife falta em alguns lugares), sem remédios (para controle de doenças crônicas: hipertensão/diabetes) nem exames laboratoriais, sem ultrassom pra fazer pré-natal etc.

O argumento: "Até agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem 6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico do que ter médicos cubanos?" (primeiro texto) é exatamente o mesmo argumento que (pseudo)justifica a realização de plantões ilegais por estudantes de medicina. E é furado. Não (apenas) por uma questão de saber teórico, mas por uma questão de responsabilização legal do que é feito por um estudante, e pode vir a ser feito por um médico que teve sua licença facilitada por uma deficiência do país.

Não faltam médicos no Brasil. Logo, trazer mais médicos é, no mínimo, ilógico. Vejam o que
determina a OMS(1med/1000hab);

e os
dados do país(1med/622hab).

Observem que há carência em muitos lugares, mas mesmo nos lugares onde NÃO HÁ carência a saúde não é boa. Recife tem 1 médico/213 habitantes, quase 5 VEZES o preconizado e a saúde daqui não é nenhum exemplo.


A média da OMS, como dito, é uma meta dura que assegura razoavelmente a qualidade da prestação do serviço médico. O Ministério da Saúde coloca até uma meta mais frouxa com 1 médico para cada 1000 famílias (3,7 pessoas por família). Mas não é o item lá mais importante de todos, é apenas um referencial grosseiro. Vários países têm médias superiores e inferiores ao Brasil com qualidade de serviços piores e melhores. Disso se conclui que essa média não é indicador da qualidade da saúde de um país. Porque ela avalia apenas a quantidade e não a EFETIVIDADE do médico. A efetividade do médico depende de sua formação e empenho, mas muito mais do que isso: do Sistema de saúde em que está inserido.


O motivo da falta de médicos nessas áreas carentes é a falta de condições de trabalho, falta de compromisso com os contratos por parte das prefeituras, e falta de plano de carreira. É importante notar que a qualidade de vida cai a cada dia nas capitais Brasileiras, e já se esboça um contrafluxo (discreto e que não se sobrepõe ao fluxo) de pessoas que preferem a vida pacata do interior. Por que o médico não vai? Por que não há atrativos.


Usar o argumento de que os médicos daqui podem ser pavorosos, e que a formação médica é problemática, ou que não há prova de validação de diploma, é usar um defeito do sistema para justificar uma medida paliativa. E ainda assim, recentemente alunos do quinto ano do curso de medicina tiveram mais de 70% de aprovação no teste, contra 6% dos estrangeiros em 2012.




Atenção básica/de baixa complexidade (técnico-científica) não é sinônimo de que é preciso pouco treinamento para executá-la. Pelo contrário. Tanto que há a residência de 2 anos de saúde da família e comunidade. Apesar da baixa complexidade técnico-científica há grande complexidade humana envolvida, complexidade comunicativa. Acredito que um dos problemas centrais dessa medida é que a saúde básica requer muita comunicação e interação entre as partes, e quando se fala outro idioma isso complica bastante. Digo isso porque tive 3 professores de língua espanhola residentes no Brasil há mais de 20 anos que até hoje tenho dificuldade de compreender, imagine quem tá nessas áreas carentes. Eu tenho dificuldade de entender todos os dias os ditos e modos dos pacientes. Inclusive um conselheiro do CREMEPE mencionou que uma grande peneira da prova de revalidação no Brasil, e que reprova boa parte, é o TESTE DE IDIOMA. Que é preciso ser feito também, para revalidação. Pra mim esse é o ponto central contrário à vinda dos médicos, pois é muito concreta a dificuldade de comunicação, e a importância da comunicação na atenção básica.

O SUS não dá conta dos exames que os médicos daqui pedem. E não é tomografia nem ressonância não. É exame laboratorial mesmo. Se no HUOC e no HC falta reagente pra fazer ureia, creatinina e hemograma, imagine no interior. Isso porque exames são pedidos desnecessariamente, porque os médicos são mal treinados a solicitá-los. O laboratório municipal do Recife está parado há 6 meses. No posto que frequento hemogramas não são feitos há quase 1 mês por falta de técnicos para colher os exames.

A vinda dos médicos estrangeiros ganha um tempero especial com conotação político-ideológica pelo fato de que a grande maioria dos médicos que viriam são cubanos. Ou seja: há quem defenda-os mais pela conotação ideológica do que pela questão médica. São cubanos logo são bons. E a recíproca também: são cubanos logo são ruins. Importante ficar atento a isso.
Veja o que disseram os médicos portugueses.

Os indicadores de saúde (mortalidade infantil, mortalidade materna, etc) e o sistema de saúde cubanos são de fato exemplares. Justamente por aquilo que foi dito lá em cima. Há cobertura ampla em saúde básica. Provavelmente a medicina preventiva de maior efetividade do mundo. Não é uma medicina hospitalocêntrica, com ênfase no tratamento de doenças (medicina curativa). É baseada na medicina de família, na prevenção de doenças e promoção de saúde. Mas, não é possível dizer que o médico cubano terá a mesma efetividade no Brasil. Provavelmente não terá. Melhor seria o Brasil importar a filosofia de investimento em atenção básica.

Por último, não há como não falar do nível técnico dos profissionais que vêm. Acredito que a grande maioria dos gritos é com relação a este tópico.
Acho que essa não é a questão central pela limitação da atuação que os médicos terão: atuarão em saúde básica, no que de fato são exemplos. Acho que o médico cubano não é incompetente, tem apenas competência diferente (o Revalida diria se essa diferença é aceitável ou não). A formação lá é baseada nas demandas do Estado. Baseada nas carências do sistema de saúde de lá, o que é mais um motivo para se acreditar que não terão exatamente a mesma eficiência aqui do que lá.




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