Como funcionários da iniciativa privada são manipulados e muito mal pagos

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"O homem explora o homem e por vezes é o contrário."
Woody Allen



O Banco Mundial declarou, lá no finalzinho de 2017, que o salário mínimo no Brasil era muito bom. O Jornal Nacional da Globo deu manchete. Logo comparou os salários de servidores públicos federais e os pagos pela iniciativa privada. Se o salário mínimo já seria bom demais, então média salarial mais alta dos que tentaram concursos públicos deveria ser, no mínimo, um absurdo aos olhos da audiência endividada. Ou pelo menos é isso que os principais anunciantes da emissora e, talvez por coincidência, a direita que hoje governa o Brasil querem que pensemos.

Existe, sim, um fosso na diferença da média salarial. Inclusive o ilustre prof. Eduardo Giannetti usou bem a palavra para esclarecer que são alguns cargos do legislativo e do judiciário que puxam a média federal para a estratosfera. Ou seja, não são os salários dos professores, por exemplo, que causam a disparidade na média geral. Pode ficar certo disso. Mesmo o conservador Carlos Alberto Sardenberg, da CBN, já ponderou discretamente sobre a alta variância que se observa de salários entre os Poderes e dentro deles mesmos. O que nunca fazem, e que esclareceria muito para a audiência, é classificar toda renda e patrimônios nacionais em percentis, para saber quem é mesmo que no Brasil está concentrando os recursos em detrimento da maioria da população.

Nesse caso específico, para ser honesto com o cidadão pagador de impostos, eu incluso, os editores da matéria deveriam ter feito também um “raio-x internacional” do que se paga no setor privado. Ou seja, foi omitido propositalmente que uma das razões dessa disparidade entre os setores público e privado, não obstante os casos pitorescos de desembargadores que recebem até 500 mil reais em um mês (quase tudo em verbas indenizatórias, sem contar eventuais caixas 2), é que a iniciativa privada brasileira produz muita riqueza, mas repassa quase nada do que gera para seus funcionários.

O ponto que estou querendo desvelar aqui, que o JN omitiu, é que faltou uma comparação internacional de salários pagos pelas empresas. O Brasil, com R$ 937,00 de salário mínimo à época (dez./2017), ocupava a posição 74 entre salários pagos em 160 países. Atrás de Honduras, Irã, Timor-Leste, Suriname, Jamaica entre outras economias menos prósperas. Não por outra razão que consta o Brasil como um dos países mais competitivos na variável custo de mão-de-obra em estudo "Competitividade Brasil 2017-18", da CNI. Aqui um trabalhador livre que recebe um salário mínimo pode custar até menos do que custava, há 200 anos, o preço médio de comprar um escravo novo para explorá-lo por duas décadas de trabalho forçado.

Para equivaler às regras constitucionais de estabelecimento de salário mínimo, o valor no Brasil deveria ser R$ 3.754,16 (Dieese/2017). Grande parte dos vínculos de emprego neste país recebe 4x menos do que exige a Constituição. Como um pessoa pode viver com isso depois da jornada de trabalho é uma pergunta mais que pertinente. Uma boa pergunta que só cada trabalhador é capaz de responder, depois de nos deixar na invejada 6ª posição na riqueza mundial por paridade de poder de compra, segundo o FMI.

Mas para sermos mais claros, consideremos o salário médio da iniciativa privada de outros países. Na Holanda, país com ampla ação de bem-estar social ainda hoje, o salário médio pago por mês a um funcionário da iniciativa privada, já convertendo em real na cotação de 6 dezembro de 2017, e já pensando num eventual 13º, dá R$ 12.183,85 por mês.

Em termos da média salarial mundial, a iniciativa privada brasileira, mesmo sendo a 6ª economia do mais rica do mundo como já dito acima, paga um dos piores salários médios do planeta. A média mundial é cerca de R$ 5000,00 mensais (em valores de 2012). Mas a economia brasileira paga em média, pasme, R$ 1808,00 (valores de 2015). E olhe que essa média é puxada pra cima pelos salários, participações, e bonificações de executivos milionários, os maiores rendimentos da nação.

Então vem a pergunta que o JN obviamente não fez: num país tão rico, cujo salário mínimo de acordo com sua Constituição deveria ser R$ 3.754,16 (em 2017), se paga muito bem a cidadãos que passam em concurso ou se paga muito mal aos que seguem para a iniciativa privada? Não se trata de fechar os olhos para os descalabros que acontecem especialmente no Judiciário, Legislativo e em algumas empresas públicas, como disse Eduardo Giannetti, mas de assistir a essas reportagens totalmente enviesadas com mais senso crítico, sem sair repetindo análises rasas, sempre anti-republicanas, que eles veiculam para atender os interesses dos anunciantes que querem rebaixar ainda mais o valor médio da hora de trabalho, retirando a oportunidade para os cidadãos de se empenharem para serem aprovados num processo avaliativo impessoal e terem um vida simplesmente digna servindo ao Estado Democrático de Direito. O problema salarial no Brasil é que a maioria recebe uma remuneração de fome para produzir a 6ª maior economia do mundo, e "os donos do poder", como diz o premiado economista e engenheiro Eduardo Moreira, querem que isso se estenda a todos.

Uma solução, em uma breve linha, seria, como diz este mesmo economista, que o Estado cumpra um papel efetivo de redistribuidor de riquezas com tributações predominantemente diretas sobre renda e patrimônio; colocando, aí acrescento à proposta dele, uma meta do Índice de Gini na casa dos 0,35. Embora, infelizmente, não se tenha notícia que um governo no Brasil já tenha tido a coragem de usar esse índice como meta. Aqui no Brasil, o Estado é, na verdade, por meio da gestão da dívida e da política tributária, um ente deturpado que transfere, sim, a renda, mas das classes baixas e médias para as famílias donas dos grandes bancos e corporações brasileiras (leia como isso acontece em detalhes aqui).


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