Os custos, o óbvio e a ilusão: uma questão econômica




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"Um morava na Rua do Meio. O outro, no meio da rua."
Poeta Jessier Quirino, sobre concentração excessiva de renda

É claro que devemos defender a proteção militar da propriedade privada. O contrário disso é incentivar o roubo, e tolheria qualquer possibilidade de planejamento de produção a médio e longo prazos. Porém, da mesma forma é claríssimo que não faz sentido poucas pessoas terem para si quase todos os pães num banquete. Ou que alguma pessoa nesse banquete não possa comer alguns pães. Isso deixaria de ser um banquete, e viraria algo parecido com uma matilha faminta.

É o que somos hoje, com salários que fazem um trabalhador brasileiro custar, por mês, menos que um escravo há 200 anos. Esse valia, em média, 1 kg de ouro (via André Quincas, 2016), mais os custos de sobrevivência e segurança com os cativos. Arredondando, dá coisa de R$ 1.500,00/mês* para uma vida longa de 20 anos de serviços prestados, ops, forçados. Aí você lê na mídia otimista que a pobreza vem diminuindo desde a década de 1990, e metade da população mundial vive, na melhor das hipóteses, com R$ 20,00/dia (via Banco Mundial, a preços de outubro de 2018).

Ou seja, no máximo, na vida boa, só se come tapioca (na manteiga, sem queijo) nas três refeiçoes acompanhada do copo de refresco tingido de suco. Depois dessa, a gente pode pensar que falta pouca coisa para poder se deleitar na vida: uma moradia digna, plano de saúde, transporte de qualidade, boa escola, roupas adequadas etc. É, parece que falta tudo. Antes a morte que tal sorte. Saudades da escravidão? Só que ninguém pode mais culpar o “espantalho”, por exemplo, do Muro de Berlim e coisas do gênero.

Quais então, pra mim, as principais tarefas, meio que conflitantes é verdade, do “terceiro impessoal”, do governo, da liderança política mundial: a primeira seria de preservar contratos de propriedade privada. Ok. Mas a segunda tem que ser de garantir redistribuição de recursos no final do mês para gerar o menor desequilíbrio econômico possível por meio de política tributária progressiva sobre os rendimentos e patrimônio, e empresas públicas estratégicas sobre falhas de mercado. Fim de papo. É Estado Robin Hood mesmo. Sim, utópico assim. A utopia considerando a concertação de todos os países em acordo. Para o bem-estar da maioria, reequilibrando o jogo até um complemento de nível de renda mínima, como a proposta pelo Dieese, para quem não conseguir “chegar lá” via indústria, comércio ou serviços privados.

O problema da pobreza é cercado de tanta má-fé e enrolação que essa resposta soa como simplória, cabendo num único parágrafo. É que nada justifica a concentração excessiva de recursos que está na raiz da pobreza. Melhor simplório que o ridículo argumento do “incentivo” ao trabalho duro, quando a humanidade é liderada por rentistas que mal batem um prego na parede, e militares alienados que caçam pobres assim como baratas a defender a Baygon.

Há quem me lembre, porém, que não adianta reclamar que o leão é carnívoro, essa seria a natureza do rei dos animais. O rio corre sempre pro mar. Ou, enfim, somos bicho ruim. E, de fato, para chegar à minha solução óbvia de todo o problema econômico, simplesmente juntei propriedade privada com um governo ao pé da letra republicano. Todavia, tive de retirar da equação transtornos individuais como ganância desenfreada, desejo desmedido por status e deslumbre, medo da falta de garantias coletivas, e os delírios de poder.

Tudo isso é o que mais se incentiva na propaganda por todos os lados, dos intervalos comerciais aos outdoors e banners, que por sua vez é financiada pela nova Hidra de Lerna gerada pela banca privada internacional e as grandes corporações. São os ingredientes do que os budistas chamam de “a ilusão de Maya”. O que fazer, então, para que todos nós, lindos seres fraternais, participemos de forma harmônica e equilibrada deste banquete chamado vida?

* = Trata-se apenas de uma suposição média do valor do "escravo comprado", sem considerar ganhos com reprodução, de jornada extendida (pelo menos 2,5x maior que a atual), e de escala, mas considerando os seguintes parâmetros: como dito, 20 anos de trabalho (sendo muito otimista pra época), custo médio de aquisição igual a 1 kg de ouro, e 1/12 de 10% do investimento inicial a cada ano para arcar com custos gerais com doenças, mortes prematuras, teto, água, comida e segurança. Foi um exercício rápido de imaginação. Contudo, vale frisar que desconsiderei a desvalorização do cativo com o envelhecimento e a perda de valor da moeda no período de duas décadas. No final, ainda arredondei pra baixo. Ou seja, tudo indica que o fim da escravidão foi mais um trote em cima da classe trabalhadora, cuja "liberdade", inegavelmente importante, ainda assim beneficiou a mais alta parte da classe proprietária.


📧 romeromaia@gmail.com

Comentários

  1. Hoje a previsão do reajuste do salário mínimo foi reduzida. Vivemos tempos difíceis.

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