A tal ''estabilidade'' no serviço público: uma analogia didática




"O mal que fazemos não atrai contra nós tanta perseguição
e tanto ódio como as nossas boas qualidades."
François La Rochefoucauld


Se você algum dia quiser fazer parte do quadro de trabalhadores necessários para realizar as atividades do governo de um território, seja seu município ou até seu país, você precisa, mesmo numa democracia imperfeita como a brasileira, ou se candidatar, ou ter nota maior que outras pessoas em algum tipo de prova e apresentação de títulos, ou simplesmente ser convidado por quem tem essa prerrogativa (alguém eleito ou aprovado em concurso geralmente do judiciário). 

Em tese, trabalhar na gestão pública é uma escolha dada a todos (desconsiderando as enormes diferenças de oportunidades). Além de ser impessoal (exceto os cargos comissionados, e por isso são temporários) e sendo vedada qualquer tipo de discriminação, desconsiderando critérios de idade, nacionalidade, aptidão física etc. que não se configuram em atos discriminatórios mas de pré-requisitos objetivos para a investidura na função.

O dia do servidor público, comemorado desde 28 de outubro de 1943 para lembrar um decreto de Getúlio Vargas que pode ser visto aqui, marca a data dessas pessoas que tiveram a oportunidade de tentar ingressar na carreira. E, diante da ignorância que jaz na raiz do amplo  ressentimento propagado sobre o tema, vale tentar explicar didaticamente com um pequeno texto o porquê do direito à estabilidade, e como se diferem os servidores efetivos daqueles em cargos comissionados na administração pública. 

Por saber que é um tema polêmico, principalmente por conta de preconceitos  e interesses de grupos privados influentes que pretendem reduzir a competitividade do Estado na busca da captura de sua mão-de-obra qualificada, reduzindo assim o custo médio que ela representa, tomamos a decisão de tecermos uma analogia didática. É o que se segue.

Imagine que você pretende trabalhar como agricultor num terreno que é de propriedade de toda vizinhança. Você não é obrigado a fazer isso, mas você quer e o terreno está lá pra ser cultivado, pois é do interesse de todos q o seja. Todavia, quando você procura fazer o cultivo, descobre que outras pessoas também escolheram trabalhar nele. 

Como ninguém pode ser considerado dono do terreno, quem vai lhe admitir em detrimento dos demais? Existem 2 formas impessoais: ou se faz um sorteio, ou se elabora uma prova. A vizinhança decide que se faça a tal prova. Você faz a prova e ela serve como um indicador que, naquele dia específico e diante das oportunidades que você já teve na vida, você obteve um escore maior que os demais. Aí você é admitido na equipe de cultivo. Como qualquer trabalho coletivo, o terreno possui pessoas de hierarquias diferentes, que são necessárias tanto para coordenar quanto para capacitar a equipe.

Suponha que o coordenador de uma determinada época já teve um sério desentendimento com você no passado e guardou rancor. Por ele, você jamais trabalharia no terreno. Ele tem muita vontade de lhe expulsar do terreno. Mas ninguém é dono do terreno, lembra? Só o dono poderia lhe tirar por razões pessoais. O terreno é da vizinhança inteira, e também seu, do coordenador, de todos os trabalhadores, e até de quem ainda não trabalha lá. 

Como fazer para evitar que alguém use do poder para criar situações que dificultem seu trabalho, ou gerem motivos para que todos entrem num acordo de lhe afastar? Ou, do contrário, que algum superior queira tirar proveito da posição de poder para transgredir normas e lhe force a fazer coisas arbitrárias?

Esses tipos de abusos só podem ser evitados se a comunidade der a si mesma um direito de estabilidade de permanência naquele terreno, salvo em casos em q seja provado você cometeu crimes previstos ou não o cultive. Por isso que qualquer cidadão, ao ser aprovado e empossado num cargo público, tem direito a estabilidade depois de 3 anos de avaliações periódicas. E continua sendo avaliado periodicamente até o fim da carreira. Eis o único ponto válido, mas muitas vezes colocado em segundo plano nesse debate sobre a estabilidade. Trocar o ódio induzido por interesses escusos por propostas de melhoria continua de formas objetivas, justas e transparentes de avaliação do trabalho no Estado em todos os tipos e níveis hierárquicos e nos três poderes constituídos. 


.  Romero Maia - Instagram: @SimpliciDados

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