Caio Castro e a terapia conservadora

 



"Mais crimes são cometidos em nome
da obediência do que da desobediência."
Banksy 



Talvez você tenha sido fisgado(a) pelo título achando que este texto vai argumentar que foi conservador o recente posicionamento do ator global Caio Castro sobre sempre ter de pagar a conta em dates. Acontece que não daremos tanta atenção ao “Caio Castro” do título, mas à “terapia conservadora” que veio a reboque de aspectos inconscientes mais relevantes e ainda em curso na nossa evolução enquanto espécie. 

 

Logo após a enxurrada de críticas que o ator sofreu nos comentários dos posts e reposts com o trecho polêmico de sua entrevista, apareceu uma réplica em diversos stories de todo tipo de gente. Era um tal de “terapeuta Cardoso”. Eu nunca tinha visto nem ouvido falar nele. Por isso fui checar seu perfil. Lá constam milhares de seguidores, especialmente mulheres, e a seguinte descrição na bio: 

 

Figura pública 

🦁Terapeuta Cristão, Viajante e Empresario. 

Transforme-se em uma Mulher 

mais atraente, sábia, livre e feliz✨ 

+ de 17 mil alunas em 43 países 

 

Pois bem, essa figura pública divulgou um pequeno vídeo no qual aparecia se filmando com filtro e dizendo que o ator entrevistado seria um “homem fraco”, que não faz “investimento”, em vez de um homem “Alpha” (sic, sempre com inicial maiúscula) como ele. Milhares de pessoas, especialmente mulheres, curtiram esse vídeo e outras tantas compartilharam.  

 

Percebam o que está acontecendo. A fala dele agrada mais, mesmo passando longe de qualquer possibilidade de tornar livre alguma mulher, como anuncia sua bio. É da natureza de todo e qualquer investimento que, para ser feito, espera-se dele obrigatoriamente um retorno maior que o que foi investido. Caso contrário, abandona-se o objeto financeiro por considerá-lo um fracasso. Repito: objeto financeiro. Embora as milhares de seguidoras do terapeuta não tenham percebido, o que está nas entrelinhas dessa reação conservadora à fala do global não tem nada a ver com ser ou não “gentil” e pagar sempre (ponto específico da querela entre ambos) as contas ao comer fora. Tem a ver de forma muito mais direta com finanças mesmo. 

 

A consequência imediata do raciocínio financista é que uma relação assentada nesse formato não conduz nenhuma mulher a ser livre. Só reforça o papel perene do homem eternamente pagante para fazer jus a uma mulher eternamente devedora. O “retorno do investimento”, obviamente, não vai se dar em lucro sobre o capital investido, mas em "serviços afetivos" (pra manter-me no jargão do que está sendo transacionado), tanto corporais quanto psicológicos. O investidor tem a posse do título e, de preferência no curto prazo, poderá cobrar esses retornos. O mais comum deles é a obediência. 

 

Há quem não se importe com esse tipo de relação. Toda pessoa conhece de perto alguém que atinge, sim, sem maiores conflitos existenciais, uma certa felicidade dentro de uma relação construída sobre essas bases, ora explícitas, ora discretas, de dominação. Muitas vezes até chamando os aportes semanais desse tipo de investimento de “romantismo”. Eu mesmo conheço uma pessoa declaradamente afeita a esse tipo de homem Alpha e provedor perpétuo. Claro que ninguém pode emitir julgamento uma vez que a pessoa se declara feliz numa vida de obediência e dívida tácita.  

 

Existe uma sensação de segurança muito forte e acalentadora que mantém as que aceitam se submeterem em troca desse tipo de gentilizas. Claro que nem toda pessoa gentil está necessariamente fazendo esse tipo de jogo financeiro, mas estamos tratando aqui desse caso específico que, diga-se de passagem, é bastante comum e fica conhecido, depois dos primeiros encontros, pelo não tão gentil rótulo de "relacionamento abusivo". 

A repulsa imediata que o Caio Castro causou se deu mais pelo tom de voz agressivo que ele usou do que por uma escuta atenta do que ele disse. Ele frisou que chega a ir ao banheiro para, na verdade, pagar a conta discretamente para que nem sequer haja constrangimento. O incorreto, na visão dele, seria pagar sempre e pelo motivo ser homem. Mas lidando de forma áspera com tema na maior parte do tempo, ele rompeu com um pacto inconsciente de garantia de desprendimento e proteção que se espera de um homem numa relação hétero, como um Mario (Bros) que não mediria esforços para garantir o bem-estar de sua princesa para todo o sempre, custe o que custar. Esse é o arquétipo que está na base desse pacto que tem fortes raízes evolutivas na nossa espécie. 

 

O problema é que a alternativa apresentada pelo terapeuta Cardoso soa como uma cilada. Por outro lado, ao menos a fala do global, embora expressa de forma áspera e infeliz, foi sincera e no sentido de uma equidade entre as partes que garantiria independência e desobediência contra manipulações masculinas. Toda reação conservadora se escora justamente no que nosso cérebro carrega de mais primitivo. 

 

O desfecho dessa polêmica, portanto, não tinha como ser diferente. Mas o que está por trás da forma - as intencionalidades - pode servir para refletirmos sobre por que só damos ouvidos ao que nos agrada, isto é, aquilo que soa em consonância com nossas necessidades instintivas mais profundas de busca de segurança. Mesmo que estejamos sendo manipulados por quem, à primeira vista, oferece-nos essa tranquilidade. Darwin explica. 



📧 romeromaia@gmail.com


Comentários