E se houver 2º turno?




Neutralidade ajuda o opressor. 
Silêncio encoraja o torturador.
Elie Wiesel

Hoje é um dia em que se festeja a paz depois da tormenta. Data marcada para lembrarmos da história da pomba que Noé teria sido enviada com o objetivo de saber se alguma parte do planeta já estaria conseguindo se revigorar da enchente global. O animal representa um observador confiável que sabe verificar uma situação grave e pode trazer boas notícias. Pelo menos as trouxe na segunda tentativa descrita no cap. 8 do livro do Gênesis, indicando com uma folha de oliveira para Noé que as águas haviam baixado após o dilúvio. Será que essas águas turvas que ora nos afogam com ondas de ódio político estão perto de baixarem? Ou continuaremos assistindo assassinatos por meio de invasão de festa de aniversário, e até entre crentes dentro de uma mesma igreja? 


A última pesquisa que chegou ao grande público foi divulgada ontem pelo IPEC e mostra que falta pouco para uma possível vitória de Lula no 1o turno, candidato que cresce na pesquisa e agora está com 45 a 49% dos votos válidos. Isso é um sinal importante para os ventos autoritários minguarem fazendo as ondas de ódio diminuírem. Mas existem fatores outros além da pequena margem de pontos percentuais, uma vez que cerca de 20% ainda se dizem indecisos. O principal fator, no entanto, não consta na pesquisa. Teríamos que saber se as pessoas que dizem que apoiam Lula realmente vão votar no dia 2 de outubro. O outro é o apego da comunidade evangélica ao discurso de moral e ordem da direita conservadora, e do alinhamento dos sermões eleitorais de seus pastores às tratativas da bancada religiosa no Congresso. 


O eleitor bolsonarista, em queda, representa de 29 a 33% dos votos válidos, e tende a ser mais, literalmente, fiel. Tanto que desde início de agosto a declaração de voto para Bolsonaro oscila dentro da margem de erro, enquanto a de Lula supera o teto puxando votos de outros candidatos como Ciro Gomes. Dessa forma, é possível cogitar que parte do eleitorado de Lula é menos personalista, e está refletindo apenas uma rejeição ao atual governo. Quem teria então uma motivação maior para ir votar? O eleitor que tem seu candidato como um ídolo, ou aquele que está fazendo voto útil? O expressivo quantitativo nas manifestações nacionalistas e Marchas para Jesus realizadas recentemente é um termômetro de comprometimento eleitoral da direita conservadora. Esse ponto é crucial, pois a pesquisa não pergunta se a eleitor irá votar com certeza no dia 2 de outubro, mesmo diante do cenário de aumento contínuo das abstenções nas eleições presidenciais desde 2006. Em 2018, chegou-se ao recorde de mais de 20% do eleitorado que faltou às urnas... e sabemos quem saiu vencedor nessa circunstância.


O outro ponto relevante é a estratificação da pesquisa que tem como referência os dados de religiosidade na sociedade brasileira que foram captados pelo censo de 2010. É bastante provável que a tendência de diminuição de católicos em prol de outras religiosidades seja significativa, em especial quando comparado com a forte tendência de crescimento dos evangélicos que devem ser a maior comunidade religiosa do país daqui a apenas mais 10 anos. Terreno fértil pro crescimento da direita radical conservadora. Dessa forma, a diferença entre os 53% de intenções de voto que Lula alcança entre católicos pode ser, na verdade, uma distância bem menor que os 48% do voto evangélico nos permite imaginar. Implicando erros de previsibilidade da pesquisa com os estimadores calibração dos estratos desajustados à nova realidade. O que é provável dado o atraso de 2 anos para realização do censo que ainda está em curso. 


Dito isso, qual seria a única vantagem de um 2º turno no caos de violência política que o país vive hoje, sobretudo por causa do relaxamento do controle de armas de fogo nas mãos da população civil? Só teríamos o benefício de saber quem vai fazer uma clara escolha pela força política com maior inclinação à paz defronte diferenças partidárias e de projetos de poder. Qualquer tentativa de neutralidade das candidaturas majoritárias que estarão fora do 2º turno vai selar a triste verdade que o político está comprometido apenas com seus interesses pessoais ou não está entendendo a gravidade da situação. Diferente de 2018, este ano quem não tomar partido no 2º turno é orgulhoso ou é intolerante, dado que não temos mais nenhum ignorante.  O 2º turno será nossa observação mais concreta do dilúvio para saber quem busca a paz ou não. Infelizmente, todavia, hoje, de 6 a 10% dos eleitores acham que não declarar apoio a ninguém numa eventual votação no dia 30 de outubro é sinal de coerência. Difícil é entender como pode ter alguma coerência com qualquer esforço pela paz, se é que este dilúvio vai acabar. 

.  Romero Maia - Instagram: @SimpliciDados

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