Vale o que o amigo diz



A mentira voa, e a verdade vem mancando atrás dela.
Jonathan Swift 




Nesses últimos anos, quem possui alguma inclinação para o pensamento crítico, ou seja, duvidar sistematicamente das próprias conclusões, ficou intrigadíssimo (para não dizer desesperado) como tantas pessoas passaram a acreditar em fake news, aderir a teorias da conspiração, e adotar comportamento de fanatismo tribal, justamente numa época de relativo barateamento do acesso à divulgação científica e ao jornalismo profissional.

Não preciso dizer que estou falando predominantemente dos bolsonaristas. Mas isso vale para qualquer extremismo. Enquanto não termino outro artigo especificamente sobre a relação entre confiança, propaganda e autoritarismo do ponto de vista da Psicologia Cognitiva, vou deixar aqui um texto tão maravilhoso quanto despretensioso que encontrei lendo jornal há alguns meses. Trata do que na ciência se chama de "heurística de disponibilidade". Mas o autor não usa esse termo horroroso e, por isso, termina explicando de maneira muito mais clara e divertida como a confusão mental superou a sabedoria (o saber aprender) no Brasil. Segue a historinha anedótica deliciosa: 

Djenomar quer trocar de carro e está indeciso. Volkswagen? Honda? Fiat? Opções não faltam ao Djenomar. O que ele faz? Consulta opiniões de especialistas? Investiga publicações do ramo? Procura na internet testes comparativos? Não, leitor, Djenomar é antenado com a modernidade: Djenomar pergunta aos colegas.

Precisa mais?

Entre os colegas do Djenomar estão o Elsonides, motorista de táxi, o Seu Neuvandes, dono de uma revenda de carros, e o Joberlan, que trabalha na quitanda da esquina, só anda de bicicleta e nem dirigir sabe.

Pra quem ele vai dar atenção?

Ao Jorberlan, é claro, porque é da galera, porque é filho de Marcicleu e Rosismênia, irmão de Jayceane e Urianderson. Joberlan é bróder e hoje em dia a informação que importa é a que tem cara e nome mais conhecidos.

Taí o assunto da coluna.

Por que raios a gente acredita mais na subjetividade aleatória de quem é próximo em vez da objetividade científica dos especialistas no assunto? Por que a opinião duvidosa de um conhecido vale mais do que uma tonelada de informação fundamentada? Não faço ideia, leitor, mas deve ter uma explicação lógica para esse comportamento irracional. Talvez seja coisa de carioca, fã incondicional da brodagem ou talvez um sinal dos tempos, afinal estamos na era de ouro dos pitacos inconsequentes. O especialista, o estudioso, esse ficou mais obsoleto que lanterninha de cinema poeira.

Se você está procurando um bombeiro, um eletricista, por exemplo, é normal que confie mais na dica de conhecidos — o Vonderci, por exemplo — do que em um anúncio genérico das Páginas Amarelas (Páginas Amarelas? Entreguei a minha idade). O problema é que a gente estendeu esse comportamento para tudo.

Jantar fora? Nada de guias ou estrelas, a gente vai é naquele restaurante que o tal do Delosnei comentou na casa da Cimille, afinal ele é amigo da Eloyama, vizinha do Odilásio, que é muito gente boa. Celular novo? Para que comparar funções, preços e desempenho entre os diversos modelos? O marido da Jasielita, o Dr. Leucivando, que é pediatra, disse que o dele é excelente, só deu defeito duas vezes, então concluímos que o certo é comprar um igual. Política? A gente confia no que o Julézio e a Isleândia comentam na repartição, mesmo que vá contra a realidade diante dos nossos olhos. Guerra na Ucrânia? Richarmison, do financeiro, disse que o Putin, na verdade, é um agente da CIA. Como ele sabe? Foi o Tiburcíndio que contou, ele tem um primo, o Adervandes, que é chef e mora na Áustria, que é quase do lado.

Só podem estar certos.

Mesa de bar, grupo de zap, encontro no elevador, almoço no refeitório, é aí que as decisões são tomadas. A orelhada se tornou a grande formadora de opinião sobre qualquer coisa, de ovos Fabergé a chips quânticos. Virou praga. O próprio leitor pode testar. Comente no café da firma, como quem não quer nada:“Tô pensando em comprar um submarino nuclear...” Depois do espanto, logo vai aparecer um colega pra recomendar os submergíveis alemães, explicar que os americanos estão caros demais e advertir que os russos dão sempre defeito no reator. Com um tapinha nas costas, ainda vai te oferecer um favor de bróder: “Aí, chegando no estaleiro pode falar no meu nome, Wallessandro, que eles te dão uma atenção especial.”

Precisa mais?




Texto do jornalista (UFRJ) Leo Aversa, publicado este ano aqui .

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