Gratidão não é só um sentimento, é uma ação.


A gratidão é um fruto de grande cultura,
n
ão se encontra entre gente vulgar.
Samuel Johnson


Dr. Antônio Damásio, uma referência mundial em estudos do cérebro, da cognição e das emoções humanas, é taxativo: sentimentos são processos meramente mentais e estão sob certo controle da cognição, você não tem como saber se alguém nutre um sentimento ou não. O contrário das emoções que são bastante autônomas e repercutem pelo corpo, podendo ser captadas por observadores e instrumentos de avaliação.


As pessoas de forma geral dizem, ainda mais com a avalanche de livros da moda associando  gratidão à saúde, que se "sentem" gratas. Todos celebram e promovem o "sentimento" de gratidão. Seria algo tão importante de ser nutrido porque, bem no tom da cultura autocentrada da atualidade, ele beneficiaria muito a pessoa que "aprende a ser grata". Mas há algo de errado nesse marketing emocional.


O que não se fala é que esses lugares comuns não deveriam ser tão comuns, porque a própria definição da palavra gratidão dá ênfase ao outro que agiu em nosso auxílio, por isso seria um contrassenso ser grato em benefício próprio. A não ser pelo fato  que lugares comuns quase sempre representam vieses e erro de compreensão. Tratar a experiência da gratidão dessa forma é uma inversão completa dessa virtude para que ela se encaixe num mundo infantil e narcísico, onde o que importa é admirar a si mesmo e se conceder benesses. O universo da autoajuda vulgar cooptou a gratidão do mundo do esforço de cumprimento de deveres nas interações com o outro.


A gratidão é uma recompensa a uma ação intencional. Essa recompensa, longe de ser uma versão amorosa da lei de talião, é nada mais que uma disposição permanente para uma ação qualquer em benefício do outro. Não há o dever de retribuir o agrado ou a ajuda na mesma medida. Basta pensar que seria impossível se, por exemplo, quem nos ajudou não estivesse precisando do mesmo tipo de ajuda. Contudo, a gratidão nos move para mantermos uma atitude de atenção e apreço para com essa pessoa que, no mínimo, vai significar um dever de cumprimentos cordiais e gentileza no trato em todas as circunstâncias. Pois gratidão é mais que palavras, é mais que pensamento, é ação.


Se ainda assim se faz necessário incentivar as pessoas a serem gratas, não pela reciprocidade e essência altruísta da palavra, mas em nome de algum ganho pessoal, vale dizer que a gratidão de fato tem impacto as emoções e modula os sentimentos. Cumprida como uma ação virtuosa, a gratidão é um movimento intencional que ativa torna mais desenvolvida a sensibilidade neural no córtex pré-frontal medial, uma área cerebral associada ao aprendizado e à tomada de decisões. E esse desenvolvimento tem efeitos duradouros no tempo, de acordo com estudo liderado pelo prof. Y. Joel Wong, da Universidade de Indiana, nos EUA.


O mais importante desse estudo, claro, é que as pessoas precisaram agir, pegar papel, caneta e escrever cartas expressando nesse exercício prático sua gratidão. A saúde mental depende, portanto, de fazermos algo, da ação. E com a tão desvirtuada gratidão não poderia ser diferente. Ela é boa em si, mas não basta que seja para si.



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