Por que algumas pessoas inteligentes aderiram ao bolsonarismo?

 

A ex-presidente do CFM, dr.a Rosylane Rocha, compartilhou registros da invasão aos Três Poderes nas redes sociais.



“É preferível a ignorância absolutaa o conhecimento em mãos inadequadas.” Platão



Segue abaixo um trecho de um livro clássico que reflete sobre como profissionais de alto status, como médicos, engenheiros, entre outros, aderiram, mais uma vez na História, ao ódio político e autoritarismo. No nosso caso, chama-se isso hoje de "bolsonarismo". Todos esses profissionais são levados em mais alta conta pela maioria da população. São considerados inteligentes e usados como grupos de referência para comportamentos fora de seu campo de especialidade, sobretudo na política. Fiz alguns acréscimos no primeiro parágrafo para situar o leitor no contexto, e o restante do trecho segue integral:

''O moderno especialista numa determinada área de atuação, mas sem aprofundamento em História, Epistemologia, Ética etc., e acima de tudo sem o desenvolvimento do apreço pela sabedoria (que significa sentir prazer em usar sempre critérios de ponderação e a capacidade de ouvir a todos), serve-nos para concretizar energicamente a espécie (do "homem-da-massa") e fazer ver todo o radicalismo da sua novidade, ao contrário do antigo sábio de visão mais paciente e ampla. 

Outrora os homens podiam dividir-se, simplesmente, em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios e mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser submetido a nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio, porque ignora formalmente o que não entra na sua especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é "um homem de ciência" e conhece muito bem a sua fração de universo. Devemos dizer que é um sábio ignorante, coisa sobremodo grave, pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua questão especial é um sábio.

E, com efeito, este é o comportamento do especialista. Em política, em arte, nos usos sociais, nas outras ciências tomará posições de primitivo, e ignorantíssimo; mas tomará essas posições com energia e suficiência, sem admitir – e isto é o paradoxal – especialistas dessas coisas. Ao especializá-lo a civilização tornou-o hermético e satisfeito dentro da sua limitação; mas essa mesma sensação íntima de domínio e valia vai levá-lo a querer predominar fora da sua especialidade. E a consequência é que, ainda neste caso, que representa um maximum de homem qualificado – especialismo – e, portanto, o mais oposto ao homem-massa, o resultado é que se comportará sem qualificação e como homem-massa em quase todas as esferas da vida.

A advertência não é vaga. Quem quiser pode observar a estupidez com que pensam, julgam e actuam hoje na política, na arte, na religião e nos problemas gerais da vida e do mundo os «homens de ciência», e é claro, depois deles, médicos, engenheiros, financeiros, professores, etc. Essa condição de «não ouvir», de não se submeter a instâncias superiores que reiteradamente apresentei como característica do homem-massa, chega ao cúmulo nesses homens parcialmente qualificados. Eles simbolizam, e em grande parte constituem o império actual das massas, e a sua barbárie é a causa mais imediata da desmoralização.''

Ortega y Gasset, em ''A Rebelião das Massas''.

PS - recebi um feedback precioso da médica Larissa Vieira enfatizando que, além do exposto no livro de José Ortega y Gasset, ainda há outros fatores que ajudam a explicar a complexidade desse tipo de adesão ao autoritarismo hoje. Ela lembrou que alguns médicos apoiarem o uso da cloroquina mostra, além de terem sido maus alunos em MBE, a força de fenômenos psíquicos em algumas pessoas (independente do quão grande for seu desconhecimento de sua própria ignorância) ligados ao repúdio ao diferente. Disso vem um enorme impulso de aversão ao que possa quebrar seus hábitos de pensamento moral e de comportamento cotidiano "restaurando um sentimento primitivo, tribal, anti-civilizatório de apego e cuidado com os iguais (familiares) e hostilidade aos "diferentes" (como uma ameaça à minha tribo, de quem precisamos nos proteger)". Fora isso, temos o caso dos que realmente se pensam como superiores de forma patológica, derivando pouca ou nenhuma empatia pelos demais. É o caso dos que desenvolveram transtorno de personalidade antissocial (TPAS), figuras bastante presentes nessas correntes ideológicas extremistas por causa ímpeto de eliminar o outro em vez de compreender e negociar.



.  Romero Maia, Instagram: @SimpliciDados

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