Bomba! A crise do Brasil é outra.

 

 

 

 

 

 "A crise no Brasil não é uma crise; é um projeto."
Darcy Ribeiro comentando a educação no país.

 

"A situação fiscal do país é extremamente preocupante." Essa é a paráfrase e síntese de tudo que conseguem papaguear os "formadores de opinião". Geralmente, jornalistas e economistas que de nada têm a mais que o fato de estarem bem sintonizados com os "formadores de receitas" para as concessionárias de rádio e TV.

No começo do ano, o mote usado era a alta do dólar... que todos já esqueceram devido à queda livre. Chegando ao ponto da, ora imortal, Miriam Leitão ter que escrever em sua coluna que "A queda do dólar mostra que estava errado o diagnóstico de que subia por causa do fiscal". O que deveria causar espanto em um total de zero pessoas bem-informadas, uma vez que o tal mercado consegue a proeza de errar em mais de 90% nas suas previsões sobre a economia brasileira. E resta evidente que quem erra tanto assim em previsões talvez esteja partindo de diagnósticos enviesados.

O tal "compromisso geracional" que tanto se alardeia, em um tom de empatia, não considera, por exemplo, que parte do déficit vem como contrapartida contábil inevitável de investimentos. Tal coisa representa justamente o contrário do que é alardeado, ou seja, é um sacrifício da geração presente realizado em nome do aumento de bem-estar da geração futura.

Um dos vieses que gera essa narrativa é que os considerados "entendidos" não explicam que há diferença entre déficit e prejuízo. É possível fechar um exercício com déficit e, mesmo assim, ter lucro. Como? Explico. Esse foi o caso da Casa da Moeda do Brasil que fechou o ano de 2023 com déficit de R$ 125 milhões, mas registrou lucro líquido de R$ 202 milhões... valor quase nove vezes maior em relação ao lucro líquido de R$ 23,4 milhões de 2022. Já o Serpro, que teve déficit de cerca de R$ 107 milhões, obteve lucro líquido de R$ 450 milhões no mesmo ano (dados do MGI).

O que se sabe hoje, para um ano eleitoral como 2026, é que teremos um déficit de aproximadamente R$ 23 bilhões (0,17% do PIB), apesar de receitas extras. Isso deve ser anunciado, porém, ao lado da expectativa de melhoria imediata do bem-estar da maioria dos indicadores sociais de uma população à brasileira (altíssima concentração de renda). Como? Ora, o PLOA prevê um reajuste real de +2,5% acima da inflação para o salário mínimo que é, na prática, uma política pública desconcentradora de amplo alcance. Mas se mesmo assim a dívida pública lhe parece "bombástica" deve ser porque talvez lhe falte comparação. Deixo, logo a seguir, os dados mais recentes da relação dívida/PIB consolidada e marco alguns países/zonas de interesse (44 acima do Brasil, num total de 171 localidades) com números bem mais curiosos que o percentual observado por aqui:



Da mesma forma, ao falar dos gastos públicos, uma comunicação responsável deve dizer logo de partida que é uma questão supragovernamental: cerca de 95% dos gastos são de caráter obrigatório, e a maior mordida é com pensões e previdência no geral. Quem recebe as maiores aposentadorias e pensões no Brasil? Essa deveria ser a pergunta mais papagueada em qualquer reportagem que se preze. Mas não é. Assim como não é papagueada a pergunta sobre quais os empresas que mais recebem benefícios para tocar negócios lucrativos no país. Um bom filão para se falar em apetite arrecadatório com algum foco e sinceridade.

As contas públicas são uma preocupação legítima, exceto quando expressa através de meias verdades. Para o ano que vem, haverá, sem dúvida, grande pressão inflacionária e, além da "concorrência" do FED... é com relação a isso que a Selic do Brasil deve ser cotejada. O medo que deriva da inflação é a recessão. Mas, hoje e nos últimos tempos, o Brasil vem apresentando sinais recessivos? É exatamente o contrário disso que podemos ver nas últimas variações do PIB, com crescimento de 3,2% acumulado em 1 ano (2º trimestre de 2025), e na quase totalidade dos indicadores relevantes da PNADC mensal, divulgada terça-feira (16/09) pelo IBGE. O Brasil está não só com dados exuberantes em sua economia como exalando um devido bem-estar possível que se deduz do crescimento. Olhem com carinho, no gráfico abaixo do IBGE (sobre a taxa percentual acumulada em quatro trimestres da contabilidade nacional, em relação ao mesmo período do ano anterior), a curva da formação bruta de capital fixo (investimentos, ou "fé no futuro do país") e a de despesas da administração pública (que tem economizado até 50% com o teletrabalho devidamente regulamentado, além da modernização nos sistemas informatizados de licitações para infelicidade de alguns fornecedores e lobistas).



A crise do Brasil, então, é outra. É termos um debate promovido e sustentado por agentes produtores de notícias e opiniões que omitem informações relevantes porque, provavelmente, objetivam aumentar seus ganhos diminuindo a atuação (e reputação) estatal. A PNADC mensal mostra um output que corrobora a hipótese que a política econômica desde 2023 é consistente com a redução da desocupação no país a despeito de tantas pressões de desemprego estruturais ocasionadas pelo avanço tecnológico na robótica e IA. Justamente no sentido oposto da crise de falta de trabalho que se tem observado com a aplicação do paradigma mainstream na vizinha Argentina. Para facilitar a visualização do leitor, preparei aqui uma tabela-síntese na qual podem ser vistos todos os avanços (com relação a 1 anos atrás e com relação ao trimestre imediatamente anterior) em quase todos os 49 indicadores que tangenciam aspirações econômicas básicas na demografia e no mercado de trabalho, sobre as quais as pessoas comuns orientam seus votos na democracia. Estamos com o menor nível de desocupação total da história. Acha pouco? A renda média aumentou em quase todos os agrupamentos avaliados. Basta considerar os dados. E, no fim do dia, é isso que realmente importa para a maioria da população, esteja ela hipnotizada por desinformação e discursos de ódio ou não. 

A crise do Brasil, por outro lado, está também na falta de capacidade de ler os dados oficiais de maneira mais independente (até porque poucos sabem o que significam "dados oficias" e, dos que sabem, raros têm tempo de estudar seriamente metodologia) e, assim, saber se está sendo vítima de algum viés (intencional ou não) dos produtores de interpretações hegemônicas... não raro patrocinados via inside job. "Ah! Mas não justifica uma má gestão fiscal para gerar bons indicadores." Pois é, concordo. Por isso que o melhor eu guardei pro final... Talvez você não saiba, mas estamos no melhor patamar da história na média geral do índice de gestão fiscal (IFGF), que é impactado diretamente pela política fiscal da União. Ou seja, só com o contraditório exposto, assim, de forma didática e com um pouco mais espaço de circulação no status quo é que se pode fazer frente e resistir às repetições sem fim de uma versão única, a tentativas de manipulação, e especialmente à fábrica de invenção de crises sem qualquer concorrente, um contraponto salutar que seja. Pois até se a tal crise não estiver ocorrendo no presente, prometem-nos que outra crise com certeza irá ocorrer no futuro. E assim não têm como errar. É da natureza do capitalismo. É ululante. Uma hora a ficha cai. Quer mais estabilidade? Vai pra China. Mas, como vimos no gráfico acima, lá tem uma dívida maior. Ou isso não importaria tanto assim, como ensina o grande economista André Lara Resende? Por isso que não me canso de repetir: nossa crise é outra.


Romero Maia 

@SimpliciDados

Veja também um de nossos livros: "Política e Comportamento: Debates da Realidade Brasileira"