É
comum vermos grupos profissionais lutando para cercar
suas zonas de atuação, imprimindo exigências legais para o
exercício profissional em determinadas áreas. Os advogados fizeram
isso já há algum tempo. Recentemente, os historiadores, profissão
que tem meu profundo respeito, conseguiram aprovar no Senado um
projeto de lei
(http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=116526&tp=1)
que exige o diploma de graduação em História para quem queira
transmitir formalmente seus conhecimentos nessa disciplina.
Discordo
dessa aprovação. O motivo é simples: está se afirmando que existe
uma relação causal entre a formação universitária e a boa
performance mediada por habilidades e conhecimentos pedagógicos e
didáticos. Até que se faça um estudo estatístico amplo e sério
sobre essa pretensa causalidade, eu fico com a opinião de que a
produção e a experiência prático-laboral prévia de uma pessoa também a credencia (já que o assunto aqui é o velho
credencialismo)
para somar forças, com qualidade, nessa nossa imensa demanda de
professores para educação básica.
Na
área de Matemática, por exemplo, vê-se jovens talentosos sendo
dispensados do curso universitário e dando aulas na pós-graduação.
Os matemáticos são talvez o profissionais mais importantes da
ciência e sabem bem que credencialismo é mediocridade. Deve ser
apenas usado com moderação, e não como castração de talentos.
Defendo
francamente a Universidade e sua importância, mas jamais essas
restrições corporativistas baseadas em hipóteses não comprovadas
de causalidade. Com todo respeito a todos os graduados em História
ou qualquer outro curso: ser um bom professor, um professor
imprescindível, não está vinculado ao canudo. Se estivesse, a vida
seria até mais fácil e simples de ser gerida pelos ministros da
educação. Mas não é assim que a coisa funciona nessa área da
atividade humana.
Sei
que podem dizer que estou comparando disciplinas completamente
diferentes. Então vamos lá. O mesmo vale para o exame (e não a atuação fiscalizadora de eventuais falsos bacharéis) da Ordem dos
Advogados do Brasil. Este cria uma casta burocrática-corporativista
e rica de gestores da profissão, mas não há nada que sustente ser
essa estrutura indispensável para a qualidade de seu exercício profissional. A
experiência profissional e os sucessos acumulados são o melhor
diapasão das credenciais necessárias. Ou seja, é na prática do
trabalho que se cresce e se afirma em qualquer mercado. Restrições
desse tipo só diminuem a oferta em áreas com demanda bem maior que a oferta. Questões no papel nunca será mais eficaz que a prova da experiência e reputação no mercado. Maus advogados passam na prova da Ordem, mas nunca na
experiência do mercado.
Na
área das humanas, a Universidade passa por uma crise enorme. Está
prestes a perder sua exclusividade de ser. Ela não faz muito mais
que fornecer um método sistematizado de estudos de longo prazo, muitas vezes mal dimensionados, fazendo que muitos estudantes dos últimos
períodos faltem às aulas; dispor de corpo
docente que raramente cumpre a função de facilitar o aprendizado, por meio de técnicas pedagógicas que otimizam a reunião de pessoas para a
troca de ideias face-a-face. Quesitos mais importantes para avaliação de desempenho
de um universitário em humanas são deixados de lado, como a experiência
profissional e o desempenho em argumentação e debate, seja na pouca
consideração dos estágios para a grade de notas do aluno, seja na
pouco apoio que recebe a extensão dentro do tripé de ação
acadêmica.
Talvez
apenas em cursos bastante que tangenciam mais diretamente riscos de morte para o usuário daquele serviço, como os das Ciências
da Saúde (não entro aqui na discussão do Ato Médico) e em algumas
Engenharias, seja necessário um período mais amplo e dinâmico
de provas, inclusive simulações práticas, antes do trabalho efetivo, como é o caso da residência médica. Mas se
todos esses testes pelos quais são submetidos os médicos fossem
reduzidos a um curso universitário predominantemente teórico,
recheado de várias provas e trabalhos escritos, como é o caso de
Matemática e História, um médico laureado seria bem menos confiável. Procuramos, mesmo assim, médicos mais celebrados pelos seus pacientes. E nesse
cidadão depositamos nossa confiança de alta performance naquilo que julgamos importante receber do profissional devidamente formado na universidade.