O que você ganha quando perde seu tempo com arte?


Einstein tocando violino por volta do ano 1930
 


E ele se recusou a se especializar em algo,
preferindo ficar de olho na propriedade em geral
em vez de em alguma de suas partes...
E a administração de Nikolai produziu
os resultados mais brilhantes.

— TOLSTÓI, Guerra e paz


Dedicar um tempo considerável de nossos dias ou semanas para produzir arte ou apenas fruí-la nunca atrapalha o desenvolvimento cognitivo de alguém. Pelo contrário. Tanto fruição, e ainda mais a execução de alguma atividade artística, favorecem sobremaneira todas as outras competências que precisamos desenvolver para agregar alguma inovação à economia. Ainda que não queiramos atuar no mercado das artes.

A especialização exagerada no conhecimento teórico ou prática de determinada atividade raramente consegue promover inovação e originalidade a partir de cérebros que não são estimulados artisticamente. Esse fato é um entre tantos apresentados no livro "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas", do mestre em Ciências Ambientais e Jornalismo pela Universidade de Columbia, David Epstein que, de alguma forma, continua nossa tese do artigo anterior deste blog sobre o "sábio ignorante" de José Ortega y Gasset. Uma forma mais complexa do "homem-massa" que dispara burrices em temas relevantes por achar que seu status de especialista em uma área específica de formação garante passe-livre para ter razão em suas elucubrações sobre quaisquer outros assuntos.

Abaixo segue um trecho significativo para desfazer de uma vez por todas a falsa correlação negativa entre práticas artísticas e capacidade de análises objetivas da realidade, desde que, claro, a pessoa tenha recebido bom treinamento para realizar ambas as tarefas. Esperamos que sirva de alento para professores em geral argumentarem diante daqueles famigerados "grupos de pais", quase sempre bastante conservadores (pois todos os conservadores são pessoas que acima de tudo sentem grande medo na vida -seja de ter de lidar com alguma circunstância muito diferente das que já estão bem acomodadas, seja por grande aversão ao risco, no caso, ligada à ignorância, como veremos neste texto, acerca do que é importante para o futuro econômico de um filho), que desdenham de qualquer ênfase em educação artística. Tendem a querer seus filhos mais parecidos com robôs executores de tarefas bem remuneradas. Quando, na verdade, a melhor alternativa seria a arte (e o esporte também, vale frisar, sempre o que o indivíduo demonstrar maior empolgação, ou ambos) ter grande participação no dia-a-dia da criança.

"Se a quantidade de prática especializada precoce em uma área restrita fosse a chave para o desempenho inovador, os gênios dominariam todos os campos que tocassem e os prodígios infantis sempre passariam à eminência quando adultos. Como observou a psicóloga Ellen Winner, uma das maiores autoridades em crianças superdotadas, nenhum sábio jamais se tornou um “Grande Criador”, que fez grandes mudanças em seu campo.[...]

Erik Dane, professor da Rice University que estuda o comportamento organizacional, chama esse fenômeno de “entrincheiramento cognitivo”. Suas sugestões para evitá-lo estão no extremo oposto da versão rígida da escola de pensamento de 10 mil horas: variar os desafios drasticamente dentro de um domínio e, como um colega pesquisador colocou, insistir em “ter um pé fora de seu mundo”.

Cientistas e membros do público em geral têm praticamente a mesma probabilidade de ter hobbies artísticos, mas os cientistas indicados às maiores academias nacionais têm muito mais probabilidade de ter passatempos fora de sua vocação. E aqueles que ganharam o Prêmio Nobel têm ainda maior probabilidade. Em comparação com outros cientistas, os ganhadores do Prêmio Nobel têm, pelo menos, vinte e duas vezes mais chances de serem atores, dançarinos, mágicos ou outro tipo de artista amador. Cientistas reconhecidos nacionalmente são muito mais propensos do que outros cientistas a serem músicos, escultores, pintores, desenhistas, marceneiros, mecânicos, a consertar aparelhos eletrônicos, confeccionar peças de vidro, serem poetas ou escritores, tanto de ficção quanto de não ficção. E, mais uma vez, os premiados pelo Nobel têm probabilidade ainda maior. Os especialistas mais bem-sucedidos também pertencem ao mundo mais amplo. “Para aquele que observa de fora”, disse o espanhol ganhador do Prêmio Nobel Santiago Ramón y Cajal, o pai da neurociência moderna, “parece que estão dispersando e dissipando suas energias, enquanto na realidade elas estão sendo canalizadas e fortalecidas”. A principal conclusão do estudo de cientistas e engenheiros durante anos, todos vistos por seus pares como verdadeiros especialistas técnicos, foi que aqueles que não fizeram uma contribuição criativa para seu campo careciam de interesses estéticos fora de sua área específica. Como observou o psicólogo e proeminente pesquisador de criatividade Dean Keith Simonton, “em vez de se concentrar obsessivamente em um tópico limitado”, os empreendedores criativos tendem a ter interesses amplos. “Essa amplitude geralmente dá suporte a ideias que não podem ser atribuídas apenas à especialização específica do campo.”

Tais descobertas são reminiscentes de um discurso de Steve Jobs, no qual ele notoriamente relatou a importância de uma aula de caligrafia para sua estética de design. “Quando estávamos projetando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou a minha mente”, disse ele. “Se eu nunca tivesse feito aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria vários tipos fontes espaçadas de forma proporcional.” Ou o engenheiro elétrico Claude Shannon, que lançou a Era da Informação graças a um curso de Filosofia de que participou para preencher uma exigência na Universidade de Michigan. Nas aulas, foi exposto ao trabalho do lógico inglês autodidata do século XIX George Boole, que atribuiu um valor de 1 a afirmações verdadeiras e 0 a afirmações falsas e mostrou que os problemas lógicos poderiam ser resolvidos como equações matemáticas.

Não resultou em nada de importância prática até setenta anos depois da morte de Boole, quando Shannon fez um estágio de verão no laboratório de pesquisa Bell Labs, da AT&T. Lá, ele reconheceu que poderia combinar a tecnologia de roteamento de chamadas telefônicas com o sistema lógico de Boole para codificar e transmitir qualquer tipo de informação eletronicamente. É a ideia fundamental sobre a qual se baseiam os computadores. “Simplesmente mais ninguém estava familiarizado com os dois campos ao mesmo tempo”, disse Shannon.

Em 1979, Christopher Connolly foi cofundador de uma consultoria de psicologia no Reino Unido para ajudar grandes realizadores (a princípio os atletas, mas depois outros) a alcançar seu melhor desempenho. Ao longo dos anos, Connolly ficou cada vez mais curioso sobre por que alguns profissionais se atrapalhavam fora de uma especialização estrita, enquanto outros eram notavelmente adeptos de expandir suas carreiras — de tocar em uma orquestra de primeira linha, por exemplo, a comandar outra. Trinta anos depois que começou, Connolly voltou a estudar ao fazer um doutorado investigando essa mesma questão sob orientação de Fernand Gobet, o psicólogo e mestre internacional do xadrez. A principal descoberta de Connolly foi que, no início de suas carreiras, aqueles que mais tarde fizeram transições bem-sucedidas tiveram um treinamento mais amplo e mantiveram vários “fluxos de carreira” abertos, mesmo quando buscavam uma especialidade primária. Eles “viajaram em uma rodovia de oito pistas”, escreveu ele, em vez de cair em uma rua de mão única com só uma pista. Tinham amplitude. Os que eram bem-sucedidos na adaptação foram excelentes em levar o conhecimento de uma atividade e aplicá-lo criativamente em outra, evitando o entrincheiramento cognitivo. Empregaram o que Hogarth chamou de “disjuntor”. Utilizaram experiências e analogias externas para interromper sua inclinação a adotar uma solução anterior que talvez não funcionasse mais. A habilidade deles era em evitar os mesmos padrões antigos. No mundo perverso, com desafios mal definidos e poucas regras rígidas, a amplitude pode ser uma forma de truque para a vida.

Fingir que o mundo é como o golfe e o xadrez é reconfortante. Cria a ideia de que ele é generoso e permite o surgimento de alguns livros muito atraentes. O resto deste aqui continuará a partir de onde aqueles terminam — em um lugar onde o esporte popular é o tênis marciano, com uma perspectiva de como o mundo moderno se tornou, antes de tudo, tão perverso."

Sobre a sempre polêmica aparição de entusiastas da hiperespecialização precoce, ainda na infância, criando os chamados "prodígios infantis", além do livro, nós recomendamos também assistir ao filme "Magnólia", do diretor Paul Thomas Anderson.


.  Romero Maia - Instagram: @SimpliciDados

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