Democracia um dia

Vladimir Herzog


"As coisas mais mesquinhas
enchem de orgulho
os indivíduos mais baixos".
Shakespeare


A Organização das Nações Unidas já tomou para si um dia em comemoração à democracia: 15 de setembro. Em 1997, foi celebrado um acordo entre vários países chamado de Declaração Universal da Democracia, e isso deu motivo para a comemorativa. 

O Brasil também assinou e se comprometeu com o documento. Porém, como mostramos num gráfico em artigo publicado recentemente no Estadão, desde mais ou menos 2015 até 2021 a queda do nível de democracia no Brasil foi tão grande que retrocedemos para níveis anteriores a essa Declaração. 

Por mais incrível que pareça para o leitor interessado, a maioria dos brasileiros provavelmente nem sequer sabe o que é democracia. Isso se mostrou assim em pesquisa levada a cabo pelo PNUD, órgão da ONU, no período de campanha eleitoral que conduziu à presidência da República, pela primeira vez na história do país, um candidato vindo da classe baixa do Nordeste.

Milhares em clima de intensiva esperança eleitoral pelo simbolismo de uma mudança inédita nas estruturas de mobilidade social. Mesmo assim cerca de 60% não souberam responder o que seria democracia. Naquele mesmo período, só aproximadamente 40% afirmavam apoiar a democracia.

As coisas mudaram bastante depois disso. Em 2022, embora tenha caído dez pontos percentuais no período de dez anos, a maioria afirmou que ainda tem algum interesse por política. E esse interesse se materializava com maior frequência ao acompanhar informações por meio da TV e de postagens nas redes sociais, respectivamente.

O desafio parece ser comunicar de forma fácil e, acima de tudo, breve, quando se trata de explicar ao público leigo da atualidade (conforme mostramos em outro artigo no Estadão) como se dá o funcionamento de um sistema político. As pessoas têm grande dificuldade de entender algo além de um sistema de cidadãos gananciosos, via de regra bem mais ricos que o cidadão médio, lutando para conquistar cargos políticos. Essa visão pessimista é especialmente verdadeira entre os mais jovens.

Analogias costumam funcionar bem, embora reducionistas. Nesse intento, de clarear um tema complexo a partir de elementos mais comuns do dia-a-dia de um jovem trabalhador, vamos supor o seguinte:

Você tem um chefe em seu ambiente de trabalho que lhe dá ordens e coordena as ações. Você prefere que ele sempre seja indicado por outras pessoas ou gostaria de participar igualmente da escolha? Isso é ter um pouco de democracia no seu cotidiano. É de se estranhar alguém ser contra.

A propósito, por aqui no Brasil dia 15 de setembro é o dia do cliente. Não confundir com clientelismo, pois aí não seria uma data tão louvável. E hoje é apenas um bom dia para, juntamente com o PL 216/23, argumentarmos a favor de uma das medidas sugeridas pela CPMI dos Atos Antidemocráticos, considerada pelo Instituto Vladimir Herzog como relevante política de memória, que é a oficialização da data 25 de outubro como "Dia Nacional da Democracia".

Certamente, isso não impede que no futuro agridam novamente e matem, sem chance de defesa, cidadãos defensores da democracia contra um Estado gerido por ideologia de ultradireita, isto é, persecutório e militarista. Essa foi a postura do professor da USP e jornalista, à época diretor-geral de jornalismo da TV Cultura, que dá nome ao instituto. Mas que esta data ao menos dificulte que futuros simpatizantes ideológicos assim tenham orgulho de serem o que são.



. Romero Maia - Instagram: @SimpliciDados

romeromaia@gmail.com


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