Indicadores e participação política: análise e fontes de dados



A palavra política significa elevação
para a participação no poder ou para
a influência na sua repartição.
Max Weber


A participação política é um fenômeno observável e que pode ser medido objetivamente. Construímos, aqui, um breve apanhado que pode servir de fonte para pesquisadores interessados nos esforços para quantificar a participação política ao redor do mundo. Essa passagem do conceito à sua quantificação equivale ao laço necessário entre teoria e prática, pesquisa básica e aplicada.

Assumimos como certa a possibilidade de contar ou mensurar conceitos, mesmo que sejam intangíveis como os que dão origem aos indicadores subjetivos. A forma de operacionalizar a teoria social subjacente com o fim de estabelecer um liame válido e confiável entre a observação do fenômeno, sua definição e um adequado processo de mensuração varia muito nas pesquisas sociais que ocorrem de maneira sistemática desde meados da década de 1960 (CARLEY, 1985).

A relevância da participação política se afirma como tema da grande área dos indicadores sociais, acompanhando os movimentos por democracia no Ocidente e a insatisfação com o nexo entre indicadores estritamente econômicos e a qualidade de vida das populações. Como veremos mais adiante, a participação política é condição necessária da democracia, sendo, por isso, a melhor medida para a verificação da real vigência e a avaliação da qualidade desta última. Ela diz respeito a qualquer ação voluntária que busca a elaboração efetivação ou contestação das mais diversas atividades governamentais ou posturas dos entes do Estado, incluindo aí todos os poderes instituídos.

O indicador emblemático da participação na democracia é o voto. Pateman (1992) mostra que, para a moderna teoria da democracia - mais especificamente dentro do legado schumpeteriano -, o voto seria a única garantia de igualdade no acesso ao controle sobre os representantes, ato central da participação política e definidor da democracia como método de competição por meio de eleições livres e periódicas.

Além do voto, existem outros comportamentos que expressam o conceito de participação política em diversos níveis demográficos, variadas abrangências geográficas, e com propósitos e processos organizativos que se somam ao exercício eleitoral regular na afirmação da soberania popular numa democracia. Todos esses comportamentos são passíveis de mensuração no estágio atual da teoria dos indicadores sociais.

Sabe-se, até, que é possível formular indicadores a partir de conceitos intangíveis (CALDAS, 2008), o que não quer dizer se pode medir qualquer coisa sem enfrentar grandes problemas metodológicos. Estes problemas serão apresentados neste artigo, mesmo sabendo que, já há tecnologia para a codificação da chamada informação intangível. Um exemplo é o Índice de Felicidade do Planeta, cujo cálculo procura representar a eficiência com a qual os países convertem os recursos finitos da Terra em bem-estar para os seus cidadãos. (LOUETTE, 2009).

Não obstante a importância da participação política fora das eleições regulares como indicador social para a qualidade da democracia, foram poucas as tentativas de construção de índices específicos de participação política desde o início do chamado “movimento dos indicadores sociais”. Visamos saber se existem indicadores de participação política e quais são eles. Ao final, teremos aqui um guia de indicadores de participação política que podem servir de base para outros estudos.

Foi possível encontrar apenas quatro índices específicos de participação política, sendo que dois deles se restringem a segmentos sociais específicos, e somente os outros dois se propõem a medir o estado geral da participação política em determinado país. Estes últimos são índices que enfatizam a participação política ante outros indicadores que, geralmente, procuram incorporar dimensões estritamente econômicas. Apresentamos, ainda, mais sete índices que operacionalizam o conceito de participação política através de alguns de seus indicadores. Nesses, a participação política é um componente secundário do rol de indicadores, no qual prevalece o interesse do pesquisador sobre a manifestação econômica do evento avaliado.

Além dos índices, levantamos também uma grande pesquisa do tipo survey sobre intermediação e participação política no Brasil, realizada pelo IBGE. Ele coletou informações para vários indicadores de interesse para o fenômeno da participação política sem que, no entanto, tivesse em seu escopo a formulação de um ranking entre entes da federação. Antes de apresentar todos esses resultados, vamos discutir na prática alguns casos de participação política. Também discutiremos conceitualmente o fenômeno com base em breve revisão de literatura, dando ênfase aos principais desafios teóricos para atingirmos uma clara definição dos indicadores e seus limites.


A Participação Política: Os Fenômenos e o Conceito

No dia 17 de setembro de 2011, os jornais marcaram o início de um movimento que conseguiu agregar cerca de 10 mil manifestantes na frente da Praça do Zuccotti Park, em Nova Iorque, EUA, para protestar contra a postura - para eles excessivamente ambiciosa e corrupta - dos principais investidores da bolsa de valores (DEPREZ; VEKSHIN, 2011). Estes seriam os grandes beneficiários da crise financeira mundial que se desenrola desde 2008. O evento, que se dizia apartidário, intrinsecamente diversificado e sem lideres, fora planejado predominantemente através do uso de ferramentas de comunicação digital. Durante meses, a ocupação de Wall Street foi gerida por milhares de pessoas espalhadas por todos os Estados

Unidos e até mesmo fora do país. A Adbusters, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, funciona como centro irradiador de informações e incentivos para o movimento. Partidos políticos, sindicatos e tradicionais formas de associação comunitária possuem papel secundário no planejamento e na execução das ações de protesto.

Desde o inicio do ano de 2011, já entravam em curso outros grupos que clamavam por mudanças políticas. No mundo árabe, um conjunto de atos de protesto que levou multidões às ruas quase que diariamente recebeu o nome de “Primavera Árabe”, numa conotação positiva dada pela imprensa ocidental. Além da escala bem maior que a do “Occupy Wall Street”, aqueles movimentos se diferenciam deste por planejarem e levarem a cabo ações violentas. Também não compartilham do mesmo inimigo dos americanos. Ao invés da irresponsabilidade dos gestores do sistema financeiro, o estopim do conflito para os árabes foi uma série de questões básicas, como insegurança alimentar, depreciação do valor da moeda e acirramento de ditaduras. No Egito, por exemplo, o presidente Hosni Mubarak ocupava o poder há 30 anos sem que o país conseguisse apresentar bons resultados em indicadores sociais mínimos como os utilizados pelo IDH. No ranking, o Egito ocupa a 113ª posição, com queda de uma posição em relação a 2010.

Muitas outras manifestações foram registradas por quase toda a Europa em 2011. Todas foram reflexo direto da crise americana e das consequentes medidas de austeridade adotadas pelos governos especialmente na Grécia, na Espanha, na França e na Bélgica. A crise europeia foi gerada pelo movimento em massa de resgate dos títulos da dívida desses países, o que pressionou os governos a oferecerem taxas de juros cada vez mais elevadas para financiarem suas despesas mesmo que, para isso, precisassem comprometer completamente o orçamento e a seguridade social das nações. A austeridade usada como remédio para viabilizar o salvamento dos bancos pelos Estados não foi suficiente para evitar taxas recordes de desemprego: mais de 10% da população, em média estava desempregada nos países da Europa em dezembro de 2011. Em alguns deles, como na Grécia, essa taxa ultrapassou os 20%, e também houve demissão de servidores públicos.

Apesar da forte influência do cenário de crise, não são todas as mobilizações sociais de protesto que se relacionam a imposturas da política econômica dos governos. Os atos de participação política não são explicados somente pela irrupção de crises econômicas. É o que defende Matos (1981) quando assinalada que os vários protestos juvenis que eclodiram no final dos anos de 1960 não estavam vinculados às taxas de desemprego ou ao nível de segurança alimentar provida pelo governo.

É possível observar eventos de participação de grupos orientados para a consecução de mudanças desvinculadas da grande recessão, mas que fazem a crítica legislativa do Estado. É o que se pode dizer do amplamente divulgado movimento pela aprovação da lei 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. Além de ter entrado em vigor impulsionada pela participação política da sociedade civil, essa lei tem a peculiaridade de ter sido concebida pela própria sociedade civil organizada. Trata-se de um dos poucos projetos de lei de iniciativa popular. Antes dele, apenas três haviam sido convertidos em lei pelo Congresso Nacional, a saber: a Lei dos Crimes Hediondos, de 1994; a Lei da Compra de Votos, de 1999, que tramitou por apenas 42 dias até ser sancionada; e a que criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, em 2005.

O maior evento de contestação já registrado neste século, o Fórum Social Mundial (FSM), ocorreu sete anos antes da atual crise financeira e foi muito mais ligado à ascensão de grupos políticos de esquerda na América Latina e ao aperfeiçoamento da comunicação entre os membros de entidades e organizações não governamentais. O FSM é um movimento de escala intercontinental, aberto, planejado e realizado diretamente por milhares de organizações e participantes voluntários que se opõem aos princípios norteadores do Fórum Econômico Mundial que, por sua vez, acontece sempre na cidade de Davos, na Suíça. O Fórum Social Mundial acontece em local acertado anualmente entre os participantes. De 2001 a 2003, o Fórum Social Mundial ocorreu em Porto Alegre. Em 2004, conseguiu ser realizado na Índia. Em 2005, retornou a Porto Alegre. E, desde, 2006 vem apresentando uma tendência à descentralização.

Os movimentos sociais formam a esteira das transformações institucionais por quais passa a política. Eles estão na base de todos os projetos de lei de inciativa popular, plebiscitos, referendos e demais instrumentos de pressão afirmadores da soberania do povo sobre seus representantes. Para Gohn (1997), os movimentos sociais constituem o início de qualquer ação política, pois é o processo de conflito entre movimentos e conservadores o que define, em última instância, aquilo que será positivado no Direito. O intenso debate travado desde a década de noventa sobre a reformulação da lei 4771/65, o Código Florestal Brasileiro, apresenta todas as características de um embate de movimentos sociais contra grupos de pressão que desemboca na positivação de ordem jurídica: nesse caso, o projeto de lei 1.876/99, chamado de Novo Código Florestal.

A participação política pode chegar a níveis ainda mais específicos. Na área de mobilidade urbana, foram registrados pela imprensa vários exemplos recentes que comprovam a vigência de maneiras anônimas e informais de participar politicamente. Um exemplo são os grupos anônimos que se reúnem para pintar faixas de pedestres por conta própria e promover o ciclismo como forma de transporte a ser privilegiada pelo poder público (SANTOS, 2012). Outros, como o Grupo de Direitos Urbanos do Recife, articulam promotores, intelectuais, artistas e professores por meio de redes sociais para impedir o andamento de obras licenciadas pelo poder público, mas que ferem os princípios do plano diretor e geram enormes prejuízos urbanísticos à cidade. No que diz respeito à infraestrutura já encontrada nos municípios, há a Associação Abaporu, uma OSCIP que pesquisa e monitora a qualidade das calçadas por meio das informações em rede do portal “Mobilize-se”. Além disso, a organização faz um apanhado de notícias sobre manifestações pela melhoria da mobilidade urbana em todas as cidades do Brasil.

A estrutura do próprio Estado - seus funcionários, insumos e locações - também está sendo usada para dar vazão à participação política da sociedade civil por uma ampla e mais efetiva fiscalização dos governos. Foi o que aconteceu em meados de 2012, através da associação entre a Controladoria Geral da União (CGU), as prefeituras, os governos estaduais e a Presidência da República para a promoção da participação política, da transparência administrativa e do combate à corrupção. A Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (CONSOCIAL) teve início em um seminário da CGU sobre controle social, a partir do qual se formou uma grande rede de articulação entre membros da administração pública e a sociedade civil. Estes formalizaram um abaixo-assinado de colaboração mútua para a realização da CONSOCIAL, sob a liderança da CGU.

Outras formas de participação política nas instalações do Estado brasileiro são possíveis em virtude da própria determinação constitucional. É o caso dos conselhos gestores de políticas públicas e de direitos, da política do orçamento participativo e das audiências públicas que, por exemplo, orientam as obras de significativo impacto ambiental empreendidas pelo poder público e o processo de elaboração dos planos diretores das cidades.

A constituição brasileira de 1988 teve um papel decisivo na formação desses espaços de participação. Em seu art. 14,assegura o direito ao referendo, plebiscito e proposições de projetos de lei de iniciativa popular. Antes, logo no início, no parágrafo único do seu art. 1º, a constituição afirma que não há poder do Estado que não emane do povo, seu titular. Isso serve de alicerce para a determinação, no art. 5º, inciso LXXII, de que todo cidadão é parte legítima para propor ação popular. Além disso, o art. 220 garante liberdade de reunião e associação, assinala o direito à expressão sob qualquer forma, processo ou veículo. A Constituição determina, ainda, que a lei orgânica dos municípios atenda a preceitos como o da cooperação de associações representativas nas atividades do planejamento municipal (art. 29, incisos XII e XIII). No art. 194, a Constituição determina a participação dos “trabalhadores” e “aposentados” como condição para a gestão, em órgãos colegiados, da seguridade social. Outros artigos, como o 204 (assistência social) e o 227 (família, criança, adolescente e idoso) também referendam a participação na política por meio de organizações representativas e entidades não governamentais.

Tanto Avritzer e Pereira (2011) quanto Faria (2010) entendem que esses novos espaços de aprofundamento da democracia por meio da participação popular formam “instituições híbridas”, e que sua expansão estaria na esteira da descentralização administrativa do Estado. Um levantamento feito por Silva et alli (2003) listou cerca de 40 mil conselhos municipais nas áreas de educação, saúde, assistência social, criança e adolescente, desenvolvimento rural e trabalho. Só na área da criança e do adolescente, por exemplo, o Brasil tem mais conselhos tutelares que municípios: são 5.925 conselhos instalados em 98% dos 5565 municípios. Já na área de habitação, o número de municípios brasileiros que têm conselhos e fundos de habitação cresceu mais de 200% de 2004 a 2009 para recebimento de recursos federais de fundo a fundo.

Todas essas formas de participação que listamos aqui não estão sendo forjadas sobre o molde sindical-partidário. A preocupação em participar da gestão governamental é uma tendência que contrasta com o declínio dessas formas tradicionais de se ocupar espaços na gestão pública (PME, 1996). As novas formas de participação provêm do desgaste da legitimidade das formas associativas tradicionais da modernidade, desgaste esse causado pela insatisfação crescente diante do modelo de representatividade por meio de estruturas rígidas, inclinadas à formação de oligarquias (RIBEIRO, 2009) e voltado para demandas restritas ante a ampliação e as novas especificidades das demandas sociais. Sobre essas deficiências inerentes aos agrupamentos partidários, Santos diz: “A crise de representação que atravessa as sociedades contemporâneas nesta segunda metade de século é evidência dos limites desse arranjo institucional. As crescentes complexidade e heterogeneidade sociais, a emergência de novos conteúdos e de novas identidades políticas e a multiplicação de clivagens sociais, econômicas e políticas atestam a incapacidade dos partidos de continuarem retendo, juntamente com o monopólio da representação, o oligopólio da participação” (1985; 283).

A cultura política brasileira é fortemente personalista, derivada da imaturidade de seu sistema eleitoral. Essa característica, prejudicial ao bom desempenho do sistema eleitoral brasileiro, já foi identificada por autores clássicos como Sartori (1982). Sua persistência foi constatada, mais recentemente, por Melo (2007). O exemplo da conquista do voto secreto e universal no Brasil é emblemático. Ao invés de impulsionar o espírito republicano e a expansão democrática, terminou tutelado por um regime autoritário e populista. Para Melo “no plano das relações políticas, o personalismo sempre reinou de forma absoluta, sendo comum encontrar, entre as principais lideranças, um comportamento avesso à existência e funcionamento dos partidos. Tudo isso contribuiu para que a construção de um sistema partidário dotado de vínculos com a sociedade e capaz de conectá-la ao processo decisório fosse tarefa extremamente difícil, quando não fadada ao fracasso” (2007:267).

Os partidos políticos estão passando por um processo de deslegitimação frente às novas possibilidades da mobilização política. Observa-se a tônica da performance de rua de movimentos apartidários nos últimos anos. Especialmente no combate à corrupção, disseminam-se movimentos com grande agenda de atividades voluntárias e alta performance, tendo sido os principais responsáveis pela aprovação do projeto de lei 135/2010, o da “Ficha Limpa”, já mencionado acima. Além disso, temos o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e o Movimento Brasil Contra a Corrupção (MBCC), que são organizações da sociedade civil que se destacam como duas das mais atuantes na área de controle social da administração pública nos três poderes. Em suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo IBGE (PME, 1996), foi apurado que não mais do que 3% da população de 18 anos ou mais de idade eram filiados a partidos políticos, enquanto aproximadamente 90% da população dessa faixa etária estavam vinculados a outros grupos de participação política.

A baixa identificação partidária dos brasileiros faz com que o candidato seja mais importante do que o partido como referência do voto para 14,7 milhões de pessoas, ou para 58% dos brasileiros com 18 anos ou mais de idade no período de referência da pesquisa (PME, 1996). Vale salientar que o baixo nível de participação nos partidos é a expressão mais forte de um fenômeno de apatia generalizado. Mesmo entre pessoas que preferem se ligar a sindicatos ou a associações comunitárias, observou-se baixa taxa de participação em geral: não são filiados a um e a outro, respectivamente, 84% e 88% da população pesquisada. Fernandes (1996) explica que o descrédito da atividade partidária também se deve à descontinuidade organizacional e ao privatismo dentro dos partidos, que gera um trabalho voltado para a clientela financiadora de campanhas. Contudo, as novas formas de participação suplantaram a representatividade dos partidos perante a população, mas não tomaram o lugar deles. Como os partidos continuam sendo o único caminho legal para o poder do Estado, vive-se uma crise de representatividade. Em contraste com esses tradicionais formatos da luta política, os “novos movimentos sociais” marcham sobre temáticas específicas e por meio da expertise. Como não há preocupações eleitorais diretas, os novos movimentos possuem mais desenvoltura em ações perenes cujos impactos podem ser sentidos no curto prazo, arregimentando assim mais simpatizantes e colaboradores. Avritzer (2007) nos propõe o seguinte quadro que resume as formas de representação na política contemporânea:



Se, antes, os novos movimentos sociais estavam propondo um caminho alternativo para o fazer político, hoje as manifestações assumem explicitamente o discurso de separação de qualquer bandeira da política convencional. Os diretórios partidários e as longas reuniões foram substituídos pela articulação em rede. De acordo com Fonseca (2009), o ciberativismo surgiu no início dos anos de 1990, fixando-se por meio de listas e grupos de discussão que possibilitam que os usuários troquem informações livremente sob uma estrutura de rede distribuída. Essa estrutura de rede distribuída é a plataforma mais aberta possível de comunicação em rede e possibilita um patamar de comunicação integral, superior aos formatos de rede centralizada e descentralizada, conforme ilustração:




O ciberativismo não exclui a atuação partidária. Na verdade, essa atuação precisou incorporar o ciberativismo em sua prática. Contudo, esse processo de adaptação dos partidos aos novos formatos da atuação política não alcança o patamar da rede distribuída de abertura, quebra de estrutura de vertical de comando, e democratização das decisões, em decorrência do conflito inerente e insuperável entre a essência burocrática dos partidos e a quebra de hierarquias que lastreia e legitima a nova política no espaço virtual.

Há autores, como Santos (2007) e Cardoso (apud Manzano, 2011), que chegam a concluir o fim das noções de esquerda e direita como segmentos políticos claramente opostos. Supõe-se uma tendência geral ao centro, e os grupos políticos fariam esse movimento para aumentar suas chances de eleição. A maior parte do eleitorado é despolitizada e sua opinião sobre ações de governo tendem a espelhar um posicionamento que se refere somente à superação de problemas de curto prazo e emergenciais, sem tangenciar temas complexos e estruturais.

O esvaziamento das instâncias tradicionais de conquista do poder do Estado tem como consequência a captura da política pela estética personalista e pelo utilitarismo. Já comentamos anteriormente a face do personalismo na política brasileira. Essa estética só faz sentido se for reconhecida como um corpo que se distingue unicamente do discurso homogeneizado, “centralizado”, quase neutro. No viés utilitário, vê-se a apatia como combustível para velhos vícios, como o clientelismo e o nepotismo. A política partidária se esvazia de ideologia e seu espaço é tomado pela presença corporal ou imagética do candidato.

Essa estética personalista reforça a ideia de heróis que resolverão os problemas, poupando os eleitores dos custos da participação e causando grande apatia popular com relação aos assuntos políticos. Os custos da participação, se não geram despesas diretas, tomam algum tempo dos eleitores e, por isso, podem ser quantificados monetariamente como custo de oportunidade. De acordo com Nistal (2009), mesmo um nível mínimo de participação política demanda busca de informação, formação, debate e consulta a atores competentes. Tendo em vista a inexorável existência de alguns custos para a participação social, Pateman sugere a implementação de uma renda mínima: “Meu argumento será que, a partir da perspectiva democrática, uma renda básica deve ser vista como um direito fundamental ou democrático, assim como o é o sufrágio universal. Porque a renda básica ajudaria a remover os obstáculos à liberdade, ajudaria os cidadãos a desfrutarem e exercitarem a cidadania, e ajudaria a fornecer a segurança necessária, uma vez sendo a cidadania um bem igual a todos. Minha compreensão da liberdade individual é como autogoverno ou autonomia. Eu vejo isso como uma forma política de liberdade em contraste a uma forma econômica de liberdade baseada em oportunidades individuais. O último é necessário numa democracia mas é insuficiente para a democratização, o processo político através do qual todos os cidadãos obtém plenitude, e se tornam de primeira classe democrática.” (PATEMAN, 2003).

A apatia seria uma consequência direta da crise de representatividade acrescida dos custos para a participação. Todavia, a apatia também pode ser apenas aparente. Empinotti (2011) mostra que algumas organizações da sociedade civil abandonam espaços oficiais e representativos por enxergarem vantagens maiores de rodadas extraoficiais em outros espaços. A principal alternativa é o contato direto com políticos que viabilizam a liberação de recursos para essas organizações por meio do nebuloso instrumento de convênio.

Para Schumpeter (1976), a abstenção do voto e a omissão em movimentos de protesto diminuem o risco de um “excesso de participação” que prejudicaria a governabilidade e a estabilidade democrática. O custo da participação política, sua incerteza quanto aos resultados, a crise de representação dos partidos, bem como a falta de conhecimento acerca dos assuntos de interesse público são fatores apontados por Weber (1994) para explicar a divisão da sociedade em indivíduos ativos e passivos politicamente.

Dahl (1989) enfatiza o baixo nível de instrução como a principal causa da apatia política das massas possuidoras de poucos bens. Esses grupos pauperizados teriam, por causa de suas condições objetivas, uma propensão à passividade política. A participação política, por contraste, seria um fenômeno de elite, levado a cabo por quem pode assumir os seus custos e é capaz de entender os benefícios pessoais que podem advir da mudança almejada pelo processo político.

Por outro lado, existem estudos - como o de Bordenave (1987) - que afirmam que a participação é condição necessária para a democracia, sendo esta nada mais que uma manifestação daquela: “democracia é um estado de participação” (BORDENAVE, 1987:8). Para o autor, a participação política é necessidade fundamental do animalis politicum e se expressa sobre duas bases: afetiva e instrumental. A primeira está ancorada no prazer do convívio para a consecução de objetivos coletivos. A segunda, na maior eficiência e eficácia de se atingir determinadas metas políticas agindo coletivamente.

A partir das contribuições de Santos (2000; 2007), Stotz (2009), Bordenave (1987) e Dallari (1984), podemos dizer que a definição de participação política é focada na ação voluntária, coletiva (organizações, entidades e movimentos) ou individual em busca de mudanças na instituição política em seu sentido amplo. A participação política é uma ação movida voluntariamente e com a intenção de mudança em algum ponto da atividade governamental, em qualquer um dos poderes e em quaisquer aspectos de suas atividades de planejamento, execução ou resultado, sem desconsiderar o embate legislativo e o esforço pelo cumprimento de leis no seio da sociedade civil seccionada em classes, o que adiciona o sentido da solidariedade no conceito que ora estabelecemos. O simples ato de se manifestar frente ao governo ou de agir em contextos vistos como prejudiciais no cotidiano de um bairro é uma unidade de análise de participação política. No entanto, um movimento de protesto entre vizinhos que não requer nenhum movimento da estrutura garantidora de direitos e efetivadora de leis não será entendido aqui como participação política. Desprezamos esses eventos dada a impossibilidade de se observar a dimensão sutil das possíveis intrigas de poder em cercanias, e a inexistência de qualquer influência desse tipo de evento, até onde se tem notícia na teoria, sobre os rumos de todo um regime democrático. Essa ressalva quer dizer apenas que é a natureza de uma ação que a conduz ao rol da participação política, e não sua expressividade no contexto dos eventos observados. Ou seja, uma pequenina, rápida e simplória ação de enviar mensagens em meio eletrônico requerendo alguma mudança governamental pode ser admitida como fenômeno de participação política, sem depender, inclusive, dos seus resultados concretos ou do fato de já existirem ou não indicadores que captam essa manifestação.

Historicamente, os indivíduos que são impedidos de participar das decisões políticas são considerados marginais na sociedade. A palavra “ostracismo” representa justamente a alienação política imposta pela comunidade ateniense para todos aqueles que atentavam contra a democracia. Da mesma forma, quando uma pessoa possui um nível de renda insuficiente para adquirir itens básicos no mercado, diz-se que ela está à margem do tecido social e da participação política, isto é, no ostracismo. A diferença é que, no caso da renda, se ela se elevar por qualquer motivo e os preços se mantiverem constantes, a marginalidade desaparece. Isso não é possível com a marginalidade tal como acontece na participação política. A participação política diz respeito à oportunidade de interferir na tomada de decisão da instituição política. Por isso, quando o sufrágio universal é legalizado, há uma redução automática da marginalidade política (ou acréscimo da participação política), sem alteração simultânea da situação de marginalidade econômica. Portanto, não podemos reduzir a participação política a seus custos ou a uma questão de renda, embora saibamos que são questões relacionadas.

Bordenave (1987) ainda chama atenção para mais dois tipos específicos de participação política que podem coexistir com um certo nível de marginalização do indivíduo quanto às oportunidades de interferir no processo decisório: a participação manipulada e a concedida. A primeira se observa quando lideranças convencem grupos a se arriscarem sem dividir todas as informações sobre o processo ou a distribuição dos benefícios que podem ser obtidos. A participação concedida, por sua vez, é uma tentativa de arrefecer a participação política regulamentando o âmbito participativo de manifestantes em potencial. As audiências públicas instadas pelo Direito Ambiental são, na prática, exemplos desse tipo de concessão que não ultrapassa o status quo, perdendo uma das dimensões fundamentais na participação que é a mudança social.

Quando passamos para as pesquisas que visam à mensuração do nível da participação política, vemos que elas trabalham com outra definição do conceito: a sua definição operacional. A amplitude da definição conceitual é bem menor, restrita a ponto de ensejar observações de fenômenos quantificáveis. A definição operacional pode, inclusive, incorporar fenômenos indiretos de participação política. Se, como vimos, a informação é parte integrante dos custos de participação, a definição operacional pode considerar, para fins de mensuração, a simples leitura de cadernos de política em jornais como um ato de participação política.

Se, como vimos acima, com Bordenave (1987), a participação é uma necessidade da democracia, a apatia política seria a moléstia mais preocupante para um sistema político aberto e saudável. A qualidade do regime e sua saúde ficam extremamente comprometidas, porque a apatia favorece um ambiente para o revezamento de elites e para a corrupção, numa eterna reprodução mais sofisticada e discreta do que foi, por exemplo, a política do café-comleite durante a República Velha.

A apatia aparece em maior grau em todos os países democráticos nos quais o voto nas eleições periódicas não é obrigatório com relação aos países onde a abstenção às urnas é passível de pena. Na Europa, um continente marcado pelo nacionalismo e processos históricos de projeção mundial, as eleições para o Parlamento Europeu recebem pouquíssimos interessados. Em média, mais da metade dos eleitores não comparecem às urnas. Foi o que aconteceu em 2009, em meio a um dos piores momentos da crise econômica mundial, vale salientar, segundo o periódico português Público (PORTUGAL, 2009). E, a título de rápida comparação, em 2004, a República Eslovaca registrou quase 85% de abstenções, logo após ter sido aceita no bloco econômico, ou seja, em clima de festa (ATEM, 2004).

Mas, se as evidências mostram que a apatia é predominante, os movimentos de protesto recentes não seriam mais que mobilizações residuais e esporádicas, movidas por motivos estritamente financeiros dos indivíduos, derivados direta ou indiretamente de problemas econômicos dos Estados? As grandes dimensões dos protestos em diversos países árabes e europeus seriam apenas um reflexo da magnitude da crise, acrescida da sensibilização da opinião pública mundial por causa da cobertura da imprensa em casos específicos? Uma das formas de saber com objetividade o que prevalece - se apatia ou participação - é mensurar o nível das aparições do fenômeno ou a predisposição dos indivíduos para um desses eventos complementares.


Indicadores Sociais: Desafios Entre Teoria e Prática

Tanto a participação política quanto a apatia podem ser estudados como quantidades. A teoria que permite a transformação de fenômenos sociais em números que expressam seu grau de manifestação na realidade é teoria dos indicadores sociais.

Os indicadores sociais são reduções quantitativas de um conceito para torná-lo apto a ser usado em comparações úteis para a tomada de decisões. No caso dos indicadores sociais, o lugar privilegiado das decisões foi, de início, os gabinetes governamentais. Não é por outra razão que uma das justificativas para a síntese dos indicadores sociais do IBGE diz que os números são reflexos do comportamento da economia e da geração e distribuição de renda no país, e que a compreensão dos dados sintetizados em indicadores é fundamental no processo de formulação de políticas públicas (IBGE, 2007). Os indicadores funcionam como preciosas orientações para o planejamento de metas e investimentos governamentais. Nas palavras de Gonzalez, “[o] meio encontrado para mensurar um determinado conceito ou variável é o seu indicador. A variação do indicador nos mostra como está se comportando a variável, e através da análise dessa variação podemos conhecer melhor a realidade e tomar decisões. Pode haver diferentes formas de operacionalizar um determinado conceito. O indicador usado para medir um determinado conceito pode provocar grandes diferenças no resultado e a escolha de qual indicador é mais adequado pode ser uma questão de debate teórico sem respostas fáceis.” (2008:s/n)

Já na década de 1980, os indicadores sociais passaram a ser usados com bastante frequência pela sociedade civil organizada, objetivando o monitoramento das políticas governamentais. Deixaram de ser, inclusive, fabricados apenas nos órgãos oficiais de Estado e passaram a pautar o planejamento de organizações em todo mundo que têm como parte do trabalho diário agregar dados secundários, ou até primários, de forma a construir indicadores úteis para o tema que baliza sua ação política. Como exemplo, pode-se citar o Índice de Participação Cidadã (IPC) da Red Interamericana para la Democracia, que vamos apresentar com mais detalhes adiante.

A relevância dos indicadores sociais é de ordem prática. Eles facilitam nossa visão de zonas complexas ou muito amplas da realidade. De maneira geral, supõe-se que quanto mais ampliada for a construção de indicadores para representar uma dessas zonas, mais próximo esse sistema estará da expressão real do fenômeno. Para a operacionalização do conceito é necessário, antes, fixar-se sobre uma teoria que generaliza uma explicação sobre a vida humana. Dessa teoria, faz-se o recorte para exatamente aquilo que o indicador quer substituir na aferição do real. Tomemos o caso dos indicadores de qualidade de vida. Nele, os indicadores são contagens ou mensurações da ocorrência de eventos que são aceitos como indispensáveis dentro do horizonte teórico considerado, tais como: tempo médio de duração da vida que se pode esperar ao nascer em determinado lugar, anos de estudo, acesso à renda etc.

É comum a operacionalização de um conceito não abarcar todas as dimensões da teoria. O processo de operacionalização é, acima de tudo, um método de redução para aplicação que, vale salientar, não se processa sem perdas. Isso acontece porque a teoria dos indicadores sociais considera que nem tudo que há pode ser medido, mas precisa ser. Os indicadores são indispensáveis não porque explicam a realidade - esse é o papel das teorias -, mas porque garantem transparência das decisões e possibilitam o estabelecimento de metas objetivas para as ações de intervenção.

As metas constituem uma orientação básica passível de verificação ex post facto. Mas são restritas a algumas dimensões que podem ser medidas de insumo, fluxo ou produto. Não esgotam todo o escopo da ação política. As metas que pretendem estabelecer patamares de qualidade de vida digna geralmente são aferidas por intermédio dos indicadores sociais, todos úteis para a ação política, mas cada um revelando uma informação de caráter diferente. No limite, trazem um conjunto de informações que se presta a superar a excessiva simplicidade do indicador básico de produção econômica, o Produto Interno Bruto (PIB); e por uma razão já conhecida pelo senso comum: apenas acréscimos na renda nacional não geram necessariamente melhorias na qualidade de vida. Na linguagem popular, isso equivale a dizer que “dinheiro não traz felicidade”. Hoje, já existem índices que tentam mensurar aspectos intangíveis da qualidade de vida, como a felicidade de determinada população. Alguns são o Índice de Felicidade, do psicólogo Daniel Kahneman; a Felicidade Interna Bruta, do Centro de Estudos do Butão; o Índice de Felicidade Futura, medido pela Fundação Getúlio Vargas; e o Índice de Felicidade Mundial, da New Economics Foundation.

Mesmo o economista que elaborou o cálculo do PIB, Simon Kuznets, não se dispôs a apresentar o PIB como indicador de bem-estar, ou sequer de progresso: “A riqueza de uma nação dificilmente pode [...] ser aferida pela medida da renda nacional” (apud CALDAS, 2008), disse ele em 1932, durante testemunho perante o Congresso dos EUA. O uso deste indicador, cuja base essencial é a unidade monetária, popularizou-se durante a II Grande Guerra. O impacto econômico causado pelos “esforços de guerra” justificou a necessidade de mensurar de forma precisa a produção bélica dentre os demais bens e serviços necessários à continuidade dos mercados já estabelecidos nas economias nacionais.

Henderson explica essa conjuntura contando que: “Durante a Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, 170 governos assinaram a Agenda 21, concordando em corrigir erros na definição do Produto Nacional Bruto (PNB) e da sua respectiva versão doméstica, o PIB. Desde então, as instituições de estatística vêm trabalhando para se adequar à possível mudança. Movimentos engajados na luta por justiça social, direitos humanos e proteção do ambiente têm pressionado políticos, empresários e banqueiros relutantes, assim como economistas e estatísticos, para que levem em conta a necessidade de correção.” (2007:s/n)

Foram denominados de “sociais” para tornar evidente a sua maior amplitude quando comparados aos meramente “econômicos”, e para atestar dentro de que corrente política eles foram concebidos: a do welfare state, ou Estado do bem-estar social. Apesar de só em 1992 ter sido assinado um acordo mundial acerca dos indicadores tradicionais, os indicadores sociais já estavam à baila desde os anos 60. “[...] a insatisfação crescente com o volume e a qualidade das informações sociais disponíveis para os agentes decisórios governamentais gerou o que veio a ser conhecido como “movimento dos indicadores sociais”. [...] dizem respeito ao aperfeiçoamento da mensuração social como contribuição para o conhecimento e como auxiliar último para o processo decisório governamental.” (CARLEY, 1985:1).

Temos, em Carley (1985), exemplos que ilustram bem esses novos tipos de indicadores. Como indicadores de “insumo”, podemos pensar em recursos disponíveis para a qualidade de vida de determinado segmento da população, o quociente da população mundial pelo volume de água potável disponível, por exemplo. Nos indicadores de “fluxo”, vamos encontrar informações acerca de recursos mobilizados por unidade de tempo. Um exemplo seria a a quantidade de kWh em uso no sistema elétrico de um país. Para os indicadores de “produto”, temos que nos ater aos resultados estratégicos, finais, de atividades específicas. Aqui, por exemplo, entram as taxas de mortalidade por causas externas, o analfabetismo e a esperança média de vida.

Mais importante que a eficácia da teoria dos indicadores sociais e sua evolução é reconhecer o limite das inferências que podem ser feitas com o uso deles. Conclusões acerca de qualidade de vida incorrem em erro justamente porque muitas vezes presumem uma superposição das necessidades sobre as demandas de determinada população ou segmento. As necessidades são fundamentalmente derivadas de prognóstico, ex ante. As demandas são conhecimentos objetivos, descobertas por meio de observação factual, ex post. Conjugar essas duas dimensões num único indicador viável é algo complexo e, assim mesmo, provisório e restrito aos objetivos a que pode se prestar.

Todo indicador é limitado pelo recorte que faz da realidade. É uma ferramenta da decisão política que nunca esgotará toda a miríade de variáveis subjetivas e objetivas que poderiam definir exatamente a qualidade de vida de uma comunidade. Carley (1985) explica que indicadores são como pegadas. Observando-os sabemos que alguém passou por determinado local há pouco tempo. Podemos até estimar sua altura, mas jamais poderemos dizer qual era a cor da sua pele. A cor da pele, para seguirmos neste exemplo, seria indiscutivelmente um dado relevante para afirmarmos algo acerca da qualidade de vida dentro de uma sociedade racista.

O recorte feito pelo formulador é decorrente do método de elaboração do indicador que, por sua vez, é orientado pelos objetivos para os quais se destina e pelas contingências pelas quais deve se adaptar para buscar ser exequível. Um exemplo de contingência é a ausência de dados que o formulador julga como indispensáveis para que seu indicador de fato seja representativo de dada realidade social. Esses dados, inclusive, precisam ser passíveis de atualização periódica para possibilitarem estudos de tendência de séries temporais. Também é bem relevante que os dados possam ser obtidos em vários territórios para fins de comparações espaciais.

Outro desafio para a teoria dos indicadores sociais deriva do fato de que, embora eles retratem a situação social e econômica de uma sociedade, o fazem de forma bastante limitada. Isso não diminui sua importância como medida de comparação, mas a limitação afeta as possibilidades do instrumento no que diz respeito à discussão mais aprofundada e à elaboração de propostas apoiadas em perspectivas mais abrangentes. Esse problema se apresenta com especial intensidade sobre os índices, que são uma síntese de indicadores de determinado fenômeno. O IDH, por exemplo, a despeito de sua popularidade internacional, recebe a crítica de não passar de um mero número usado para o estabelecimento de rankings esvaziados de consequências práticas para as nações. Ele não aponta caminhos, não ajuda na definição de prioridades específicas por localidade, nem revela culpados. Outra crítica que se faz é que o IDH “não leva em conta o que se poderia chamar de efeitos colaterais do progresso, como desemprego, aumento da criminalidade, novas necessidades de saúde, poluição ambiental, desagregação familiar, entre outros” (LOUETTE, 2009:32). Sua melhor consequência é ser uma medida objetiva do que é possível entender minimamente como sendo desenvolvimento humano e, assim, dar alguma transparência ao discurso político, além de escapar da extrema inaptidão do PIB como único indicador da qualidade de vida.

Essa relação entre teoria e validade de suas aplicações práticas é tensa e vem evoluindo pouco a pouco. A questão, contudo, pode-se tornar mais acadêmica que real, a menos que realizem progressos consideráveis na construção das teorias sociais. O próprio movimento dos indicadores sociais, no começo, não se focava na teorização social, em virtude de precisar estabelecer suas próprias bases. Todas as limitações observadas resultam disso e dão-se no hiato entre as duas linhagens teorias: a dos indicadores e as sociais.

O dilema discutido vai além de uma mera questão de clareza nas definições dos conceitos manuseados. Ele está no processo de estabelecimento de definições nesses dois campos teóricos postos a dialogar. O exame crítico sobre as premissas levadas a efeito na teoria dos indicadores sociais abafou as expectativas exageradas acerca de suas consequências para o entendimento da realidade social. Verifica-se, portanto, ante grandes esperanças, um fracasso parcial. Acerca disso, Carley propõe: “Primeiro devem consistir em técnicas metodologicamente apropriadas, isto é, técnicas que não ignorem os importantes critérios científicos sociais pelos quais a pesquisa disciplinar é avaliada. Tais critérios incluem a atenção para os problemas de quantificação, previsão, causalidade, agregação e juízos de valor intrínsecos à analise. Isso pode ser sucintamente descrito como lógica interna dos indicadores sociais. O segundo aspecto importante de uma boa pesquisa de indicadores envolve a compreensão do processo de elaboração de políticas, com sua ênfase essencial e por vezes predominantemente em fatores como os juízos de valor da própria política, a forma de lidar com os valores e a manutenção burocrática. Essa dimensão reflete um ciclo iterativo em que o processo de elaboração de políticas pode ser assistido por vários estudos de indicadores sociais (cada qual com sua própria metodologia ou técnica particular). […] A boa pesquisa de indicadores reflete alguma combinação dos dois aspectos acima – a mistura de necessidades de orientação política e o propósito dos pesquisadores. É muito perigoso ignorar qualquer um desses processos.” (1985:33)

O rigor metodológico é tão importante quanto a aceitação da presença dos juízos de valor. Isso quer dizer que a Epistemologia é parte essencial e permanente de validação do método científico e deve, portanto, constar no planejamento de trabalho logo na sua partida. Isso tem como consequência a exposição e crítica das premissas do estudo, o que vai delimitar claramente o alcance da teoria. Essas premissas possuem rebatimento direto na operacionalização dos conceitos com os quais se está trabalhando. Sobre isso, Gonzalez diz: “Pode haver diferentes formas de operacionalizar um determinado conceito. O indicador usado para medir um determinado conceito pode provocar grandes diferenças no resultado e a escolha de qual indicador é mais adequado pode ser uma questão de debate teórico sem respostas fáceis. Por exemplo, se o conceito que queremos operacionalizar é o de pobreza. O que define se uma pessoa é pobre? Um dos indicadores mais comuns é a renda. Alguns definem que é pobre se tem uma renda inferior a meio salário mínimo per capita por mês. Essa medida é relativamente fácil de ser feita, mas dificulta a comparação com outros países. Outras instituições consideram que é pobre quem tem uma renda de menos de um dólar americano por dia. Mas ainda assim, como fica a comparação entre o campo e a cidade? Pessoas podem ter mais acesso ao dinheiro no meio urbano, mas viver em piores condições que os que vivem no campo e não tem renda, mas tem alimentos para consumir. Assim há uma terceira forma de medir pobreza, pelo número de calorias que a pessoa consome com os alimentos a que tem acesso.” (2008:s/n)

O rigor e a clareza tratados neste quesito não dizem respeito ao tipo de dados que serão usados na formação dos indicadores. Referem-se ao processo eurístico que está sendo debatido, mais especificamente, ao processo de harmonização entre as teorias sociais e a teoria dos indicadores. Os dados podem ser coletados em qualquer nível de mensuração, e isso vai depender das exigências lógicas advindas do problema. Uma pesquisa que queira conhecer apenas o sexo mais comum entre as pessoas maiores de 60 anos de uma certa comunidade ou classe social está restrita a dados nominais. Ainda assim, mesmo se lidarmos com a diferença entre tipos de indicadores - objetivos ou subjetivos -, não teremos problemas no processo de harmonização teórica nem de rigor metodológico, porque os dados que dependem da opinião dos informantes não são mais ou menos frágeis que os dados colhidos por meio de observação e registro.

Um dos grandes saltos de evolução teórica ocorridos na teoria dos indicadores sociais diz respeito justamente à falta de confiança em indicadores objetivos como dados suficientes para a apreciação quantitativa da qualidade de vida. Essa insuspeita relação teórica entre indicadores objetivos e o conceito ao qual se referem passou a ser desacreditada pelos cientistas justamente a partir de evidencias empíricas. Schneider (1975) pesquisou mais de 30 indicadores objetivos usados nas áreas urbanas dos Estados Unidos e não observou nenhuma correlação entre esses indicadores comuns e a satisfação dos indivíduos com vários aspectos de suas vidas. O que quer dizer que a qualidade de vida subjetivamente experimentada não foi corretamente retratada pelas informações objetivamente disponíveis aos cientistas.

Agregar indicadores sociais subjetivos é um meio para aumentar a correlação entre os conjuntos de indicadores e a realidade social descrita pela teoria. Numa pesquisa sobre os indicadores disponíveis de participação política, é imprescindível que sejam ponderados juntos tanto dados objetivos - como o ato fundamental de votar (o número de votos e abstenções nas últimas eleições) - e subjetivos, como a expectativa para votar nas próximas eleições.

Chama atenção que quase todos os indicadores de participação política encontrados na literatura são objetivos e, portanto, não superam o obstáculo teórico já demarcado pela pesquisa empírica. A participação política, como vimos acima, é um conceito que abarca uma enorme gama de fenômenos e que, frente aos dados sobre a apatia, não indica necessariamente se uma sociedade é participativa ou não. O cruzamento das informações sobre apatia e participação confunde a pesquisa sobre indicadores de participação política porque não são suficientes dados objetivos para ter esclarecimento sobre esse conceito. É necessário ter informações sobre a representação social da participação política e da propensão da comunidade, num dado momento, aos tipos de práticas relacionadas. Como ficou claro, votar pode até ser a conquista mais importante, mas é apenas uma das formas de participação política e, não necessariamente, a que gera mais impactos nos processos de mudança almejados pelas pessoas que participam voluntariamente na esfera política.


Os Indicadores de Participação Política

Existem diversas tentativas internacionais de formalizar um sistema de indicadores ou de índices sintéticos de participação política, como é o caso do Global Gender Gap Index (HAUSMANN et alli, 2012), publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Este índice trabalha com a dimensão da participação feminina no governo dos países e, portanto, lida com indicadores objetivos. Mas ele só computa participação como ocupação de cargos no parlamento, ministérios e presidência, diferente da participação entendida como engajamento voluntário para influenciar processos decisórios da administração pública. É, sem dúvida, um índice específico de participação política, porém restrito à composição feminina na estrutura do governo.

Ainda na temática mais geral das questões de gênero, há a Medida de Participação segundo o Gênero (MPG), índice publicado pelo PNUD em conjunto com o IDH que leva em conta a participação política, mas com papel secundário com relação à participação econômica. Este índice funciona conforme esquema abaixo:




Entre os índices que transformam o conceito de participação em seu indicador central, o European Participation Index (VITOLS, 2010) trata especificamente da participação de operários nas decisões (em vários níveis decisórios e na estruturação sindical) das indústrias. A ênfase é na atuação sindical e na inserção de trabalhadores nos espaços de gestão empresarial. Como há tensão frequente com a legislação trabalhista, tanto no sentido da garantia de direitos quanto de pressão por novas conquistas progressistas, pode ser considerado um índice de participação política, embora restrito a uma parcela específica da população.

Da mesma forma, o European Civic Citizenship and Inclusion Index (CITRON; GOWAN, 2005), concebido como instrumento balizador de políticas públicas para a inclusão de imigrantes não legalizados na União Europeia, é capaz de gerar um ranking de paísesmembros nos quais a participação dos imigrantes na vida econômica e civil vai de plena a nula. Mas o foco dado aqui é o da imigração e sua relação com as leis e a economia de cada país. Há reconhecimento da participação política como um fenômeno essencial para o diagnóstico da qualidade de vida dos imigrantes, porém dificuldades metodológicas para obtenção dos dados fazem com que tal análise seja apenas uma expectativa para futuras edições do índice.

Há, também, o índice americano Civic Health Index (KAWASHIMA-GINSBERG; LEVINE, 2008) utilizado para medir o nível de bem-estar da população a partir de uma pesquisa de percepção da conjuntura econômica, e da mensuração do nível do que chamam de engajamento cívico em circunstâncias de crise econômica. Em 2009, um ano após a grande crise da bolha imobiliária americana, este índice mostrou um recuo de 72% no engajamento em “participação cívica”, conceito que corresponde basicamente a trabalho voluntário ou participação em algum tipo de atividade coletiva sem fins comerciais.

Um outro índice, elaborado pela “Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi”(STIGLITZ et alli, 2009), instituída por decreto do governo francês em 2008, foi construído com a incumbência de ser mais amplo e efetivo do que o IDH no delineamento do nível de desenvolvimento nacional. A comissão, cujo nome oficial é “Comissão para Mensuração da Performance Econômica e do Progresso Social”, decidiu se debruçar sobre três dimensões do desenvolvimento já bastante discutidas pela teoria dos indicadores sociais: renda, qualidade de vida e sustentabilidade. A principal inovação do índice é a incorporação do legado da Economia Verde no cálculo. Isto é, considera a renda líquida das atividades econômicas, já descontadas os pagamentos ambientais correspondentes às extrações de recursos naturais e os impactos ambientais gerados pela produção ou a utilização de estoques. Como os anteriormente citados, este índice tangencia a participação política, mas não é um índice orientado para emitir um diagnóstico quantitativo sintético sobre o fenômeno.

Permanecendo no âmbito da produção internacional, merecem destaque índices que já são capazes de fornecer séries históricas, tais como o índice Freedom in the World (FREEDOM HOUSE, 2011), publicado desde 1973 pela Freedom House, organização civil patrocinada majoritariamente por verba do governo americano. É um índice cujos indicadores são objetivos, isto é, ele apenas colhe dados secundários - seja por meio de estudos em publicações consagradas pelas universidades, seja por documentos oficiais - acerca da configuração do sistema legal de garantia de liberdades civis e eleitorais. Não se processam a observação ou o inquérito local para a obtenção dos escores de seus indicadores, e por isso ele não atende a qualquer anseio de se ter um retrato, mesmo que indireto, da participação política efetiva em qualquer uma de suas classificações de países. Seu escore pode ir de 1 até 7, sendo de 1 a 2,5 a amplitude equivalente a países livres; 2,51 a 5,5, parcialmente livres; e 5,51 a 7, não livres, reservando ainda uma publicação especial sobre regimes extremamente repressivos intitulada “Pior do pior” (FREEDOM HOUSE, 2012) .

Ainda nos anos 70, foi lançado o mais audacioso projeto acadêmico de formação de banco de dados políticos, o Polity (MARSHALL; JAGGERS, 2010). Contando com a colaboração e patrocínio da Agência de Inteligência Americana e com o compartilhamento de informações de bancos de dados de scholars de universidades americanas, o Polity consegue, hoje, abarcar mais de 200 anos de informações políticas, de 1800 até 2006 (em sua última versão, a Polity IV). O projeto armazena e disponibiliza informações anuais sobre todos os países independentes com população de 500 mil habitantes ou mais. É o banco de dados mais usado na Ciência Política e seu objetivo é mensurar níveis de autoritarismo e democracia, bem como tendências de transição de um regime para o outro. Para isso, usa uma escala que vai de -10 a +10, sendo o menor escore representativo de uma monarquia hereditária e o maior, de uma democracia consolidada.

Já no século XXI, em 2006, a Economist Intelligence Unit’s, instituto de pesquisa do conglomerado editorial inglês The Economist Group, publicou sua primeira edição do Democracy Index (ECONOMIST, 2011). Nele, mais uma vez, faz-se a análise a partir de indicadores objetivos, porém sua metodologia possui uma peculiaridade: se não é a partir de entrevistas com parcelas da população dos 167 países estudados que os dados são obtidos, tampouco é por meio apenas da verificação da estrutura legal registrada em documentos oficiais. A maioria dos indicadores desse índice são gerados a partir de 60 questões entregues a uma seleção de experts escolhidos pelo instituo de pesquisa. Outros são obtidos por dados secundários de pesquisas de opinião, majoritariamente da World Values Survey, com acréscimo de outras fontes como a Eurobarômetro, a Enquetes Gallup e a América Latina Barômetro. Seu escore final varia de 0 a 10, classificando os países em democracias plenas (8 a 10), democracias defeituosas (6 a 7,9), regimes híbridos (4 a 5,9) e autoritários (abaixo de 4) (ECONOMIST, 2011:31).

Sete dos índices internacionais vistos até agora retratam o fenômeno da participação política como apenas um entre outros indicadores que concorrem para a composição de um fenômeno maior para o qual se pretende gerar um status ou diagnóstico comparativo e sucinto. Seus escores finais não podem ser usados como representação do estado da participação política nos países estudados. Além disso, uma vez que não partilham o mesmo referencial teórico acerca do fenômeno da participação política, não podem ser comparados uns com os outros. Os outros dois, o Global Gender Gap Index e European Participation Index contribuem para a formação de um ranking específico de participação política. Entretanto, consideram apenas a manifestação do fenômeno em parcela específica da população. De todo modo, todos eles atendem ao nosso objetivo de listar os indicadores disponíveis de participação política. Pode-se extrair, de cada um, a perspectiva sobre a participação política por meio da sentença usada na formulação do indicador específico, revelando os pontos de conexão entre a redução requisitada pela teoria dos indicadores sociais e o conceito de participação política. Esses indicadores específicos são:

1.Taxa entre mulheres e homens em cargos parlamentares ou ministeriais (Global Gender Gap Index);

2.Número de mulheres que exerceram chefia de Estado ou de governo nos últimos 50 anos (Global Gender Gap Index);

3.Mulheres com assentos parlamentares (MPG);

4.Parcela da população feminina em cargo de gestão (MPG);

5.Número de imigrantes empregados que são filiados a sindicatos ou órgãos de classes profissionais (European Civic Citizenship and Inclusion Index);

6.Base legal para a participação política de trabalhadores (European Participation Index).

7.Percentual de núcleos sindicais por companhia (European Participation Index);

8.Força sindical para negociação (European Participation Index);

9.Percentual de pessoal que realiza trabalho voluntário (Civic Health Index);

10. Percentual de pessoal que declara participação em algum tipo de atividade coletiva sem fins comerciais (Civic Health Index);

11. Taxa de abstenção nas eleições (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi);

12. Percentual de votos brancos (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi);

13. Percentual de votos nulos (Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi);

14. Direito das pessoas a se organizarem em diferentes partidos políticos ou outros agrupamentos políticos de sua escolha (Freedom in the World);

15. Abertura do sistema político para a ascensão e queda dos partidos ou grupos concorrentes (Freedom in the World);

16. Força política da oposição e sua possibilidade de aumentar seu poder ou ganhar eleições.(Freedom in the World);

17. Liberdade das escolhas políticas das pessoas ante a dominação de militares, potências estrangeiras, partidos totalitários, hierarquias religiosas, oligarquias econômicas, ou qualquer outro grupo organizado (Freedom in the World);

18. Direitos políticos e oportunidades eleitorais das minorias culturais, étnicas, religiosas etc. (Freedom in the World);

19. Respeito do governo pela participação política de qualquer cidadão (Polity);

20. Direito de participação política e inclusão no controle da conduta do governo;

21. Liberdade de participação em processos eleitorais, como candidato ou eleitor (Polity);

22. Percentual da população que exerce o direito de voto com relação a todos os potenciais eleitores (Polity);

23. Extensão dos direitos que garantem a participação política dos cidadãos de determinado país (Polity);

24. Percentual dos cidadãos que exercem o direito de voto nas eleições regulares (Democracy Index);

25. Grau de autonomia e voz das minorias no processo político (Democracy Index);

26. Percentual de mulheres compondo o parlamento (Democracy Index);

27. Percentual de cidadãos filiados a partidos políticos e organizações políticas nãogovernamentais (Democracy Index);

28. Percentual de pessoas com alto, médio ou baixo interesse em assuntos políticos (Democracy Index);

29. Disposição da população para participar de manifestações legais (Democracy Index);

30. Percentual, do total e dentre alfabetizados, de pessoas adultas que demonstram interesse em acompanhar notícias políticas pelos jornais (Democracy Index);

31. Se há esforço do governo em promover a participação política (Democracy Index)


Vale frisar que os indicadores acima revelam profundas diferenças de premissas na operacionalização do conceito de participação política. Mas mostram, principalmente, como há poucos trabalhos sobre esse fenômeno na área de indicadores sociais. É justamente por essa escassez de estudos específicos que somos levados a considerar todos esses índices nos quais a participação política é um indicador secundário que compõe a estruturação teórica de outros fenômenos complexos.

No Brasil, embora o número de trabalhos seja ainda mais reduzido, há dois índices que tratam da participação política em geral como questão teórica central. Um deles foi batizado simplesmente de Índice de Participação (IP) por Martins Jr. e Dantas (2004), e elaborado com dados secundários extraídos do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB, 2002). Segundo os autores, o índice tem por finalidade apresentar um número de 0 a 19 que corresponda ao nível de “envolvimento com a política” dos eleitores brasileiros; sendo 0 o eleitor sem registro algum nos indicadores considerados, e 19 aquele que pontua plenamente em todas as variáveis do índice. As variáveis coletadas pelo ESEB foram divididas pelos autores em três grupos relacionados com aspectos da teoria democrática moderna: a) a participação em grupos e movimentos representativos de parcelas da sociedade; b) a participação em campanhas políticas e c) a busca por informação política. Não houve repetições do cálculo do índice para outros anos (o ESEB só ocorreu em 2002), de forma que inexistem dados de séries históricas até hoje. Abaixo, os indicadores usados no Índice de Participação de Martins Jr. e Dantas (2004):

1.Taxa de abstenção nas eleições.

2.Votos brancos.

3.Votos nulos.

4.Contato com algum político para pedir a solução de algum problema.

5.Participar de um protesto ou comício.

6.Número de vezes que tentou resolver algum problema não familiar junto com outras pessoas.

7.Quantos abaixo-assinados subscreveu.

8.Participação em manifestações ou protestos.

9.Participação em greve.

10. Participação em associação de moradores

11. Participação em reunião de condomínio.

12. Filiação a algum sindicato.

13. Filiação a associação profissional.

14. Filiação a partido político.

15. Participação em campanha eleitoral.

16. Acompanhar noticiário político (TV, jornal ou rádio).


Sem a intenção de gerar índices, porém de suma importância para os estudos de participação política pelo tamanho e abrangência de sua amostra, há no IBGE uma grande pesquisa sobre associativismo, representação de interesses e intermediação política. Essa pesquisa constituiu o suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 1996, e buscou revelar a proporção e como se dá a filiação dos brasileiros a sindicatos, órgãos de classe e órgãos comunitários nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Para isso, foram entrevistados para o suplemento aproximadamente 70 mil pessoas de 18 anos ou mais de idade. Os indicadores usados nessa pesquisa foram:

1.Número de filiados a sindicatos, partidos políticos, religiões, associados a órgão de classe ou comunitário.

2.Tipo de sindicato ou associação a órgão de classe ou comunitário.

3.Condição de atividade de cada umas das pessoas com algum filiação e sem filiação.

4.Motivo da filiação ou associação.

5.Motivo de se dissociar de sindicato ou de órgão.

6.Número de pessoas que se dirigiram, pessoalmente, por carta ou telefonema, a algum político ou governante, por grupos de idade, segundo o objetivo do contato.

7.Tipo de atividade que o indivíduo filiado realiza no partido.

8.Principais fontes de informação utilizadas para decidir o voto.

9.Simpatia por algum partido político.

10. Principais fontes utilizadas para a obtenção de informações sobre os acontecimentos políticos em geral.

11. Tipos de atividades realizadas em período eleitoral.

12. Melhores entidades para defesa dos interesses do entrevistado.

13. Conhecimento dos nomes do presidente, governador e prefeito.


Retornando especificamente para a pesquisa orientada à comparação entre países, encontramos o Índice de Participação Cidadã (IPC), que é uma iniciativa de organizações da sociedade civil elaborada em 2003 na República Dominicana. Realiza-se por meio de entrevistas que ocorrem simultaneamente e com a mesma metodologia em 8 países da América Latina.

Com o uso da comunicação em rede, entidades da República Dominicana asseguraram a aplicação dos questionários e a preservação da metodologia através de parcerias com outras organizações não governamentais da Argentina, Peru, México, Costa Rica, Brasil, Chile e Bolívia. As pesquisas foram realizadas anualmente de 2003 a 2006, servindo como avaliação e justificativa da proposição de políticas incentivadoras de participação no continente. Seu ranking geral varia com pontuações que vão de 0 a 10, sendo zero a ausência de participação e 10 o nível máximo. Embora não tenha sido realizado desde 2007, o índice deixou um legado teórico-metodológico específico para o continente. São 9 indicadores que podem ser igualmente coletados em bases de dados de todos os 20 países da América Latina:

1.Expectativa de votar nas próximas eleições.

2.Enviar opiniões aos representantes ou órgãos do governo.

3.Participar de referendos, plebiscitos ou pesquisas de opinião política.

4.Enviar opiniões políticas para os meios de comunicação.

5.Solicitar ou receber informações políticas.

6.Participar de decisões em assembleias ou conselhos.

7.Contribuir com sindicatos ou partido.

8.Comparecer em reuniões políticas .

9.Ocupra cargo com atribuições políticas no governo ou entidade.


O IPC é o esforço mais relevante disponível no que diz respeito à mensuração específica do fenômeno da participação política. Baseia-se num modelo multivariado para produzir uma complexidade de suporte aos benefícios coletivos associados ao ato de participar. O IPC atribui pesos diferentes aos diversos níveis de compromissos políticos afirmados pelos informantes. Seu principal problema é que sua unidade territorial de amostragem são apenas as regiões metropolitanas de cada país, mesmo assim não todas elas em cada país. Os resultados, por sua vez, são divulgados sobre os nomes dos países pesquisados.

Enfim, a participação política é o fenômeno gerador da democracia. O voto periódico em eleições livres e universais é uma expressão da participação. É por isso que podemos afirmar que a participação política é algo perene, que antecede a conquista do direito de voto e continua depois dela.

Como o voto, a participação política é um ato pessoal, geralmente expresso por meio da atividade de grupos e movimentos. Há uma dupla face: de um lado, é uma forma de atuar, de outro, é uma estrutura de atuação. Apesar de sua relevância fundamental para o sistema político, vimos que é um fenômeno muito pouco abordado no campo dos indicadores sociais. De todos os índices encontrados, apenas 4 foram formulados exclusivamente para aferição da participação política, sendo ainda 2 desses restritos a parcelas específicas da população.

Os indicadores sociais, apesar da imensa evolução experimentada nos últimos 50 anos, possuem grandes desafios teóricos a serem superados. Além das dificuldades associadas à teoria social e aos juízos de valor, ainda existe a complicação de estabelecer o significado das respostas e dos dados. O sentido dos valores representados pelas respostas que as pessoas dão nos inquéritos levados a efeito pode variar muito, assim como variam as personalidades, culturas e condições de interpretação da entrevista. Se, por um lado, sabe-se que as pessoas reagem de diferentes maneiras à mesma situação, por outro, também se sabe que indicadores objetivos sozinhos conduzem a grandes equívocos de sentido.

O acúmulo da atividade empírica, outrossim, mostra alguns vieses inerentes ao trabalho de coleta das informações, como o viés das pessoas responderem de forma exageradamente positiva num nível geral ou global ao passo que, em níveis mais específicos - como os ligados à percepção da atividade política formal - as pessoas parecem dispostas a expressar uma insatisfação plena sem qualquer ressalva (CARLEY, 1985).

Tendo em mente essas ressalvas, mostramos que não há como negar a enorme importância dos indicadores para a apreciação de fenômenos complexos como a participação política e, consequentemente, a qualidade de uma democracia. Da pesquisa entre os 11 índices encontrados, encontramos um total de 51 indicadores diferentes de participação política, o que atesta que o tema não é abordado suficientemente por nenhum índice isolado. É preciso a realização de uma síntese e e de uma atualização.

O elo entre a teoria social que lastreia o conceito a ser quantificado e sua operacionalização por meio da teoria dos indicadores sociais se encontra permanentemente tencionado pela dinâmica social que, já com algum atraso, é perseguida pela teoria. Dentre os indicadores usados nos trabalhos listados acima, constatamos que o ciberativismo, modalidade mais recente de participação política, ainda não foi explorado. A incorporação do ciberativismo formaria mais um indicador objetivo, capaz de captar a realidade tanto de grupos de participação política quanto de indivíduos que atuam politicamente por meio das redes sociais.

Para garantir o alcance amplo do retrato que se pretende tirar do nível de participação política quando se lança mão da teoria dos indicadores sociais é indispensável manter uma atualização das premissas de operacionalização do conceito pela teoria social correspondente ao fenômeno analisado. Todas as escolhas metodológicas envolvidas na quantificação do conceito devem estar balizadas, de preferência, em pesquisas bem direcionadas. Por bem direcionadas entendemos elaborações teóricas derivadas de evidências com maior semelhança possível com a situação sobre a qual se pretende emitir uma avaliação com indicadores sociais. Como exemplo do que estamos querendo dizer, podemos mencionar a fragilidade teórica da suposição de homogeneidade de características sociais numa área geográfica. Isso se dá porque não se pode atribuir ou imputar facilmente médias de variáveis em pessoas não inquiridas. Assim, a mensuração de indicadores subjetivos para um país inteiro pode não ter sentido. O quadro de referência cultural deve ser sempre considerado para se definir a correta unidade de análise. Este problema parece ser o maior desafio das futuras pesquisas para a investigação da participação política na Internet.


Referências


Artigo originalmente publicado no host do IPEA:
https://www.ipea.gov.br/participacao/
. Romero Maia
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